Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

Boletim da Copa 6

Bola Al Rihla (Copa 2022)/Divulgação

Boletim da Copa 6

  • Heraldo Palmeira

A braçadeira One Love

Há algo incômodo no ar do Catar que tem marcado a Copa 2022 e não é o futebol. Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Inglaterra, País de Gales e Suíça pretendiam que os capitães de suas seleções entrassem em campo e jogassem com a braçadeira do movimento One Love. A iniciativa surgiu há alguns anos na Holanda para protestar não apenas contra a homofobia. É uma forma de repudiar também o racismo e outras formas de preconceito no ambiente do futebol. Hoje, tem a adesão de jogadores importantes.

Porém, no meio do caminho tinha uma pedra enorme. Embora ainda estejamos nas primeiras rodadas da Copa, já ficou impossível negar as posturas retrógradas do Catar, com especial apreço por afrontar conquistas irremovíveis das sociedades mais avançadas. Para manter a repressão em seu território, o governo não pretende permitir a “contaminação” da população com a liberdade que invadiu o país trazida pelas torcidas que chegaram com o Mundial. Muito menos com manifestações de protestos dos jogadores estrangeiros de grande fama.

Os sinais estão em toda parte. A proibição do consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos, causando imenso prejuízo ao patrocinador Budweiser. Discriminação contra trabalhadores migrantes. Violação dos direitos das mulheres. Repulsa contra a comunidade LGBTQIAP+, já que qualquer manifestação de homoafetividade é considerada crime e as penas podem chegar ao apedrejamento – a apreensão da bandeira de Pernambuco exposta por um jornalista dá bem a dimensão do preconceito.

O mais impressionante é a postura conivente da FIFA, mesmo que o artigo 3 do seu estatuto preveja a proteção dos direitos humanos nas suas competições oficiais. Mas, no intuito de blindar seu parceiro na Copa 2022, ameaçou punir quem insistisse na divulgação do One Love. Para isso, utilizou o regulamento da Copa do Mundo, onde consta que a braçadeira de capitão faz parte do equipamento fornecido para seleções, que inclui garrafas de água, coletes dos reservas e bolsas das equipes médicas. Também prevê que nenhum item do uniforme e do equipamento pode conter mensagens políticas, religiosas ou comerciais, sob pena de multa.

Diante da tensão estabelecida com iminência das braçadeiras One Love entrarem em campo, da contrariedade do país sede e da posição punitiva adotada pela FIFA, as sete federações europeias emitiram nota conjunta: “A Fifa tem sido muito clara de que vai impor sanções esportivas se nossos capitães usarem as braçadeiras no campo de jogo. Como federações nacionais, não podemos colocar nossos jogadores em uma posição na qual poderiam enfrentar sanções esportivas, incluindo cartões. Então, pedimos aos capitães que não tentem vestir as braçadeiras nos jogos da Copa do Mundo […] estamos preparados para pagar multas que normalmente aplicam sobre brechas nas regras de uniformes, e temos um compromisso forte para vestir a braçadeira. Porém, não podemos colocar nossos jogadores em situação na qual poderiam receber cartões ou mesmo forçados a deixar o campo”.

Mesmo assim, o goleirão Manuel Neuer vestiu duas braçadeiras no jogo de estreia da sua Alemanha: a comum, autorizada pela FIFA e visível ao público, e a One Love escondida debaixo da camisa. Ao entrar em campo e posar para a foto oficial, o time inteiro tapou a boca com a mão e escondeu a faixa autorizada que estava no braço do goleiro capitão, para que ela não aparecesse. Detalhe: essas imagens não foram mostradas pela transmissão oficial de TV (controlada pela FIFA), como se não tivessem existido, mas ganharam as redes sociais e a mídia em poucos segundos.

Já a Hummel, fornecedora do material esportivo da Dinamarca, tomou uma decisão carregada de forte mensagem contra o Catar e seu histórico de violações, ao reduzir completamente a exposição de sua logomarca no vestuário de jogo do time. Para isso, deixou-a na mesma cor (vermelha, branca ou preta) dos três uniformes oficiais. “Não queremos ser visíveis em um torneio que custou a vida de milhares de pessoas”, informou a empresa em suas redes sociais. De quebra, afirmou que o terceiro uniforme, na cor preta, é uma homenagem e manifestação de luto pelos trabalhadores que perderam a vida na construção dos estádios da Copa (as denúncias apontam 6 mil mortos). Para completar o pacote, a empresa incluiu “frases críticas” nas camisas de treino.

Há quem considere que a FIFA parece temer a vida real e investe numa espécie de realidade paralela, principalmente ao redor das Copas do Mundo. Afinal, é um evento poderosíssimo, seguido com paixão por bilhões de pessoas em todo o planeta. As cifras envolvidas dão uma boa pista e ajudam a explicar a ideia de abandonar os intervalos de quatro anos para transformar os Mundiais em certames bienais, algo que poderá banalizar a disputa e provavelmente diminuir seu porte, transformando-o em apenas mais um torneio do calendário.

Acompanhe aqui a nossa série sobre a participação do Brasil em todas as Copas

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