Por Heraldo Palmeira
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3 de dezembro de 2024

Brasileirão: emoção da mediocridade

Reprodução/Lucas Figueiredo/CBF

Brasileirão: emoção da mediocridade

  • Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli

Com o título conquistado pelo sempre favorito Palmeiras, terminou quarta-feira (6) o Campeonato Brasileiro de Futebol 2023. Um torneio que prendeu a respiração dos torcedores até a última rodada, por sua imprevisibilidade e pela inconstância das equipes, o que em vários momentos permitiu que os fanáticos apaixonados acreditassem no título de seus times ou em vagas para as disputas de Libertadores e Sul-Americana e, na parte de baixo da tabela, na fuga do rebaixamento. Assim como ocorreu na Série B, quando até a antepenúltima rodada pelo menos dez times tinham chances de subir, o campeonato não foi recomendado para cardíacos.

O que testemunhamos realmente no Brasileirão? Que houve muita emoção, partidas renhidas, mas uma mediocridade técnica assustadora por diversos fatores. Bajulação excessiva da mídia, que transforma em craques jogadores recém-saídos das divisões de base, as tais “joias”, algo que certamente conduz a uma perturbação emocional dos meninos – a maior parte oriunda de realidades repletas de dificuldades. Técnicos ultrapassados e arrogantes, os tais ditos “professores”, xenófobos em sua maioria, que estão anos-luz atrás de estrangeiros com formação muito mais atualizada (Abel Ferreira, Luís Castro e Juan Pablo Vojvoda não nos deixam mentir). Arbitragens fracas, que não conseguem melhorar nem com a ajuda do VAR e cercadas de reclamações de todos os lados. Dirigentes que demonstram uma capacidade ímpar de prejudicar seus “times do coração”, mantendo um nível jurássico de administração que desfalca as equipes por má gestão financeira ou venda de jovens promessas durante a temporada. Invasão indiscriminada de atletas estrangeiros – “pé de obra” mais barata oriunda principalmente da América do Sul –, vários de qualidade duvidosa que terminam ocupando espaços de promessas da base. Gramados detonados, muitas vezes horríveis por conta de outros usos das arenas, como locais de shows. Calendário com excesso de jogos e competições, tema que a CBF não aceita discutir.

Para completar esse circo de horrores, o distinto público é obrigado a aguentar jornalistas esportivos (homens e mulheres, sem distinção), narrando, comentando e fazendo reportagens com clubismos e pachequismos exagerados, em transmissões e debates ridículos. Claro, a cereja azeda do bolo são aqueles ex-jogadores antiquados, saudosistas, moralistas e corporativistas, muitos sem sequer nível instrucional para respeitar a língua portuguesa.

Outro sintoma da fragilidade do campeonato é o pequeno número de revelações verdadeiras, jogadores que já podemos cravar como craques. Quem? Há certamente garotos que, se bem trabalhados, podem se tornar grandes jogadores: Endrick (Palmeiras, mas já no Real Madrid), Vitor Roque (Athletico Paranaense, mas já no Barcelona), Bitello (Grêmio), Caio Alexandre (Fortaleza), Gabriel Moscardo (Corinthians), Beraldo (São Paulo), André (Fluminense), Pablo Maia (São Paulo), Paulinho (Atlético Mineiro, que já esteve na Alemanha e não deu certo). Poucos nomes para um futebol que até o final da década de 2000 era um celeiro abundante de excelentes jogadores. Qual o último jogador cerebral que tivemos no meio-campo, alguém para chamar e organizar o jogo? Cadê os excelentes laterais? Essa fase “econômica” é preocupante.

Mesmo o Brasil sendo um celeiro reconhecido de bons jogadores, hoje não seria difícil formar uma eventual “Seleção do Brasileirão” apenas com atletas estrangeiros, diversos acima dos 30 anos e caminhando para encerrar a carreira. Também chama atenção que o melhor jogador da competição foi o uruguaio Luis Suárez (Grêmio), consagrado centroavante internacional de 36 anos, certamente um dos maiores de sua posição em todos os tempos. Entretanto, castigado por lesões, só suportou uma temporada no insano calendário tupiniquim e está de mudança para os EUA, onde vai jogar no Inter Miami ao lado de Messi e dentro de uma agenda racional.

O Brasileirão 2023 também teve um fato surreal: a campanha do Botafogo. Time muito limitado, atuou com bastante consistência nas mãos do ótimo técnico português Luís Castro, que foi embora depois de uma proposta milionária do futebol árabe. Essa equipe da Estrela Solitária, precocemente comparada aos times históricos do Fogão (do início e do final da década de 1960), na metade da competição chegou a abrir 13 pontos de vantagem para o segundo colocado, com uma campanha fantástica no primeiro turno. Mas com uma sequência inimaginável de resultados ruins (inclusive viradas inesquecíveis dos adversários), fez uma pontuação de rebaixado no returno e nem ficou entre aqueles que irão diretamente disputar a fase de grupos da Libertadores. Uma performance decrescente difícil de encontrar em qualquer lugar do mundo até mesmo para quem acompanha futebol há muito tempo. Após a saída de Castro, o alvinegro trocou de técnico quatro vezes, guiado pela “visão estratégica” de seu dono, o norte-americano John Textor. Poderia ser campeão um time assim? A torcida não sabe se fica revoltada ou aliviada por pelo menos ter chegado à pré-Libertadores. E nossos formosos jornalistas esportivos queriam Adryelson e Tiquinho Soares na Seleção. Nem o dinizismo chegaria a tanto!

Quem acompanha o Botafogo na pré-Libertadores é o Bragantino. Com o aporte financeiro da Red Bull, o bom técnico português Pedro Caixinha e a aposta em um mix de jovens jogadores latinos e brasileiros pouco aproveitados em seus clubes grandes de origem (Luan Cândido, Lucas Evangelista e Helinho), fez boa campanha e certamente atingiu sua meta.

Classificaram-se diretamente para a fase de grupos da Libertadores os quatro primeiros colocados – Palmeiras (campeão), Grêmio, Atlético Mineiro e Flamengo.

O Verdão, apesar de pouco reforçado e da perda de atletas importantes, chegou ao título com méritos. Superou as saídas de Danilo e Gustavo Scarpa (espinha dorsal do time, ambos foram para a Inglaterra), a grave contusão de seu principal atacante Dudu e as lesões de Rony e Gabriel Menino, todos titulares.

Em muitos momentos os meninos tiveram importância na conquista, apenas coroando a tradição de muitos anos do trabalho que é feito nas categorias de base e que deu ao clube a liderança brasileira de títulos nas categorias inferiores – Endrick é a parte mais visível, já contratado pelo Real Madrid a peso de ouro, e no meio de outros nomes já se fala muito de Estevão, chamado de “Messinho” em alusão ao argentino genial.

O vice-campeão Grêmio seguiu na sua relação particularíssima com Renato Gaúcho e por pouco não levantou a taça, com um time baseado em estrangeiros (Kannemann, Villasanti, Cristaldo e Suárez). O clube foi outro que sofreu a perda de um jogador jovem e importante vendido no meio da temporada (Bitello, para o Dínamo de Moscou).

O Atlético Mineiro saiu de uma crise que parecia sem fim e conquistou o terceiro lugar. Felipão conseguiu impor um toque de competitividade sem qualquer brilhantismo a um elenco cheio de “jogadores operários” completando a presença de destaque de Hulk, Paulinho e Éverson.

O Flamengo em quarto lugar conseguiu pelo menos garantir mais uma chegada à Libertadores. Muito pouco para quem tem o melhor elenco da América do Sul e vive uma crise de identidade interminável desde a saída de Jorge Jesus (julho de 2020). Depois de uma penca de técnicos, vendas e contratações discutíveis e amadorismo administrativo, Tite assumiu demonstrando que o vestiário parece respeitar o comando de alguém, fator fundamental para a conquista de títulos.

Fluminense e São Paulo, que ganharam respectivamente a Libertadores e a Copa do Brasil, fizeram boas campanhas. O Tricolor das Laranjeiras, com um grupo bastante unido e recheado de veteranos experientes (Marcelo, Felipe Melo, Fábio, Ganso e Cano) sonha com o Mundial de Clubes – que começará a ser disputado na próxima terça-feira (12). O Tricolor Paulista segue o projeto de retomada de protagonismo, sob o comando equilibrado de Dorival Júnior, torcendo pela renovação de Lucas Moura e que o dispendioso veterano James Rodríguez deixe a condição de “promessa” que acompanha sua carreira.

Seguindo tabela abaixo, Athletico Paranaense, Internacional, Fortaleza, Cuiabá, Corinthians e Cruzeiro foram parar na Copa Sul-Americana. A rigor, apenas o Cuiabá deve estar feliz. O ótimo trabalho do técnico português Antonio Oliveira levou o clube de Mato Grosso à sua primeira competição continental, tendo como destaques os ex-palmeirenses Deyverson e Alan Empereur.

Furacão e Colorado carecem de renovação de elenco. O Fortaleza, depois do vice-campeonato na Sul-Americana e de permanecer na parte de cima da tabela do Brasileirão, vive a incerteza da permanência do técnico e mentor Vojvoda. Corinthians e Cruzeiro ficaram na bacia das almas até escapar do rebaixamento.

Vasco e Bahia escaparam da Série B no último suspiro e são dois casos exemplares da longa distância que ainda existe entre o dinheiro das SAF e o sucesso no futebol brasileiro. A 777 não consegue tirar o Vasco de um longuíssimo namoro com a instabilidade. Do mesmo modo, o Grupo City inglês não parece ter transferido muita coisa para o Tricolor da Boa Terra.

O verde e branco dominou o ambiente dos rebaixados, já que os alviverdes Goiás, Coritiba e América Mineiro carimbaram os passaportes para disputar a Série B em 2024. Agora, têm pela frente a difícil equação de perder bastante dinheiro deixando a Série A e reformular tudo para tentar voltar à elite do futebol brasileiro em 2025.

A nota mais triste do campeonato talvez tenha sido o primeiro rebaixamento da história do Santos. Caiu em plena Vila Belmiro depois da derrota para o Fortaleza (2×1). Se não bastasse, é bom lembrar dois pontos: 1) O goleiro João Paulo foi um dos melhores do Brasileirão e salvou o time várias vezes; e 2) O rebaixamento foi o epílogo da crônica de uma morte anunciada iniciada no Paulistão, onde 16 times se classificavam e 8 chegariam às quartas de final, mas o Peixe não passou da fase de grupos.

Pelo menos tiveram a gentileza de esperar Pelé não estar mais entre nós para sofrer tamanho desgosto por essa queda vergonhosa, que, ainda bem, também não foi testemunhada por Zito, Gilmar, Dorval, Coutinho, Rildo, Edu, Carlos Alberto, Toninho e outros gigantes que fizeram parte de uma espécie de Seleção Brasileira alvinegra.

É quase certo que a dor esteja acabrunhando um esquadrão sobrevivente de craques que também estavam em campo erguendo a glória de um dos maiores times de futebol que o mundo conheceu: Pepe (88 anos), Mengálvio (83 anos), Lima (81 anos), Manoel Maria (75 anos), Clodoaldo e Edu (74 anos, ambos).

Agora, Flamengo e São Paulo são os únicos grandes clubes que nunca naufragaram no mar revolto dos rebaixamentos da história do Brasileirão.

Mesmo diante do desmanche do futebol brasileiro, ainda há quem alegue que nossos clubes dominam há vários anos as principais competições do continente. Pura realidade que perde qualquer relevância quando se verifica o baixíssimo nível das equipes de nossos vizinhos, onde também ocorre o fenômeno da venda precoce de jovens talentosos para a Europa. O pior é que a maioria dessa molecada vai parar em times medianos, que se apresentam como laboratórios de adaptação e também agem como atravessadores em busca de grandes lucros.

Fica ainda mais claro que esse domínio regional brasileiro pouco significa quando o Mundial de Clubes entra em cena e constatamos que os “gigantes” sul-americanos – River Plate, Palmeiras, Flamengo, Internacional, Atlético Mineiro – têm passado longe da disputa final com os europeus. Na verdade, têm caído antes das fases decisivas diante de times africanos, mexicanos e asiáticos. Resumindo, desde 2013 apenas europeus ganharam o torneio.

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