Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

CARLOS CASTELO Filhos da pupa

Libel SanRo/Pixabay

Filhos da pupa

  • Carlos Castelo

Para Luísa

Na linguagem popular, lagarta é o nome para o primeiro estágio larval dos insetos Lepidoptera: a ordem de insetos das borboletas e mariposas. As lagartas são herbívoras. Mas não todas, cerca de 1% é insetívora, até mesmo canibal. Ao eclodirem do ovo, as lagartas passam a se alimentar vorazmente, até atingirem a fase de pupa ou crisálida, que originará a borboleta.

Após esta introdução, obviamente retirada do Google, começa a nossa crônica. Estávamos, minha filha de nove anos e eu, entrando no rol do meu apartamento quando ela enxergou uma enorme lagarta. A Lepidoptera ia naquele seu caminhar ondulante, o que levou, na hora, a menina a entrar em pânico. Deu um grito agudo, e tão altissonante, que seu Quirino, o zelador, veio até nós com a expressão de quem esperava encontrar um arrastão no condomínio.

Olhando em volta, reparamos, para outra sessão de berros da pequena, mais seis lagartas no rol. Já em casa, após acalmar a filha, acionei o grupo de WhatsApp do edifício.

Abri os trabalhos contando o ocorrido em detalhes. E indagando sobre o que poderia ser feito para que a filhota pudesse circular nas áreas comuns, sem o incomum desejo de correr de volta ao lar.

As primeiras respostas foram acolhedoras. Fátima, do 21, se solidarizava conosco, declarando também ter fobia de qualquer animal rastejante. Surgiram mais duas ou três declarações na linha e se acabou o carinho. Isto porque o síndico usou as palavras “dedetização” e “poda”.

Mirtes, do 94, veio logo com os dois pés no peito:

– Se alguém encostar num galho de coqueiro, ou tocar numa lagarta, chamo o Ibama!

A declaração destoou tanto da atmosfera em que a conversa transcorria que houve uma pausa de cinco minutos nas postagens. Foi quando, Romilda, do 12, deu seu parecer:

– Vocês falam isso daí porque não tem um filho pequeno que, outro dia, foi calçar o tênis e meteu o pezinho numa lagarta asquerosa.

Ohs, putz, carambas começaram a pipocar. A facção antipupas ganhou fôlego a ponto de exigir do síndico a imediata higienização do ambiente.

Nonato, do 78, conhecido por vender massas artesanais na feirinha do salão de festas, propôs uma terceira via:

– Lagartas são da natureza, não fazem mal a ninguém. Eu mesmo pego nelas e nunca me queimaram, é mito dizer que ferem a gente. Só que, para as larvas, também não é confortável transitar no saguão dos apartamentos. Temos que mantê-las em seu ambiente natural e diminuir a reincidência nas áreas internas.

Ícones de palminhas e outros GIF’s de apoio pulularam. O próprio síndico aplaudiu a proposta do chef usando um emoji risonho.

Tudo parecia se encaminhar para o fim da reunião, quando dona Maraísa, a senhora carrancuda do 102, encerrou a polêmica das lagartas:

– Nonato, você acha larvas bonitinhas, inofensivas e até passa a mão nelas? Será que aquele seu parafuso ao molho branco não é feito de lagarta? Não compro mais sua massa, meu filho. E vê se lava as mãos direito quando for cozinhar…

Não houve mais interações no WhatsApp naquele mês.

*CARLOS CASTELO, jornalista

(Publicado no Estadão)

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