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Para que o horror acabe e o respeito comece
- Francisco Balestrin
Nojo. Não há outra forma para descrever esse sentimento coletivo e pessoal diante da violência que as mulheres vivem no Brasil. O desrespeito aos corpos femininos está nas notícias, nos comentários maldosos, no transporte público, no ambiente de trabalho. E, claro, se reflete nas estatísticas de violência sexual.
De 2020 para 2021, o índice de estupro cresceu 3,7% no país, de acordo com dados do relatório “Violência contra mulheres em 2021”, elaborado para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. Segundo o mesmo documento, 56.098 estupros foram oficialmente registrados.
Tenho conversado com as mulheres do meu convívio, com minha filha, no meu trabalho e esse sentimento de asco é generalizado.
Até quando discursos misóginos e a falta de um ambiente social seguro continuarão a fomentar espaço para essas impunidades? Até quando se vai justificar atrocidades com base no comportamento ou vestimenta?
Enquanto não vemos chegar a resposta a essa pergunta, observamos que barbaridades acontecem sem escolher idade, classe social ou postura pessoal: retrato disso são os três casos diferentes que ficaram em evidência recentemente na mídia, com mulheres vítimas de estupro.
Uma menina de 11 anos ao ser encaminhada para um hospital de Florianópolis (SC) para realizar o procedimento de modo legal, teve o pedido negado e precisou recorrer à justiça. Em vez de apoio, acabou tendo que prorrogar os trâmites para que levasse até o fim a gravidez de risco e indesejada.
Depois veio à tona o caso da jovem atriz global que, mesmo chegando ao final da gravidez, teve sua privacidade violada por uma enfermeira que “vendeu” seus dados para um jornalista. O que a levou a ser acusada e humilhada publicamente pela decisão legal de encaminhar o bebê para adoção direta.
Por último, até a fronteira da maternidade foi quebrada com o médico anestesista que aplicava uma dosagem maior do que a necessária de sedativo nas pacientes para abusar das mesmas durante o parto. E tudo isso utilizando os recursos do próprio hospital e adicionando etapas inexistentes ao processo, diante de todos os colegas.
Além de nojentas, essas histórias têm em comum abusos e violência, seja esta física ou psicológica, cometidos dentro de instituições de saúde. E me levam a questionar se as boas práticas assistenciais estão ficando apenas no papel.
Diante desses fatos, convido os diretores hospitalares de todo o país, nesse momento, a fazerem uma a reflexão e análise profunda de sua Governança Clínica: será que a regulamentação, os treinamentos, a verificação de conformidade e a atenção centrada na pessoa estão de fato acontecendo na prática.? O sistema de saúde é capaz de preservar a integridade de todos os pacientes, incluindo mulheres e meninas? Ou será que quando se trata do gênero feminino, o preconceito, a misoginia e as convicções individuais falam mais alto?
É uma pergunta difícil, mas é imprescindível olharmos para as feridas abertas do sistema para garantir às nossas pacientes um lugar seguro, em que haja respeito, privacidade, dignidade e um tratamento adequado sempre que elas decidirem entregar suas vidas em nossas mãos.
*FRANCISCO BALESTRIN, presidente do SINDHOSP-Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo e presidente do CBEX -Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde
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