Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

Conversa fiada com o ChatGPT

Susanne Jutzeler/Pixabay

Conversa fiada com o ChatGPT

  • Heraldo Palmeira

O mundo tecnológico foi sacudido em novembro de 2022 com a chegada do ChatGPT. A bem da verdade, era a versão 3, gratuita e já obsoleta, considerada coisa de principiante diante da versão seguinte, a 4, que desembarcou apenas dois meses depois – e só está disponível mediante assinatura que custa US$ 20 (R$ 101) por mês.

Tirando os profissionais do mundo digital que tratam a novidade como mais uma ferramenta com prazo de validade, como é óbvio, os demais felizes usuários não param de fazer aqueles “uau!” que transmitem um quê de deslumbramento jeca, aquele ar de quem se acha superior porque está tendo acesso a algo ainda restrito, mas que não tardará a virar farinha de feira e até cair no esquecimento quando itens melhores chegarem ao mercado. Mas, enfim, estamos num mundinho infestado de um personagem cada vez mais ridículo, o tal jeca tech. Imagine agora, com a IA borbulhando por todos os lados, o frisson que tomou conta dessa gente!

O jeca tech é aquele sujeito que gasta o que não tem para desfilar com a mais nova (e cara) versão de um smartphone, console de videogame, aplicativo top das galáxias – mesmo que ele nem saiba o que seria uma galáxia –, uma quantidade de pixels que sequer cabe na fotografia… É aquele bobo moderno que fala pelos cotovelos sobre as virtudes da sua vida digital, sempre lembrando que é ali naquele mundo virtual que ele resolve tudo e um pouco mais, e finge ter uma vida de sonho. Claro, esquece convenientemente de contar sobre as vezes em que virou pato de hackers. É melhor não lembrar.

Há alguns anos formamos um pequeno grupo e passamos a nos reunir em almoços, cujo único objetivo é dar risada das tolices – e dos tolos – do cotidiano. Decisão unânime, doença não entra na prosa. O cotidiano é uma espécie de guia para nossos temas; recentemente rimos muito dos radicais da política (de todos os lados) se engalfinhando, crentes que estavam definindo o futuro do país. Os mais sem noção acreditam, inclusive, que participam das decisões geopolíticas mundiais. É uma maravilha! Tentar entender de onde tiram tanta imaginação para dar vida àquelas teorias já produz material para desopilar o fígado de uma manada de elefantes.

Sempre que chegamos ao restaurante, Severino Honório, o querido garçom que rebatizamos carinhosamente de “Severo”, já está a postos com nossa mesa de sempre à espera. E o primeiro contato é uma pergunta indefectível, feita por qualquer um do grupo com cara séria e voz impostada, no melhor estilo das rádios antigas:

– Há jacu na casa?

A resposta de Severo também é gutural:

– Assado na brasa! E a batata tá assando!

Claro que a cara dos outros clientes já é motivo de sobra para honrar o motivo das nossas reuniões. Sim, tirar onda. Ainda mais que a cidade é turística, o que nos garante público novo o tempo inteiro.

No último encontro, um dos nossos comensais, do tipo que não vale m…., resolveu levar um convidado, exemplar acabado do jeca tech. Mais do que normal, o ChatGPT – a versão pé-duro, gratuita – foi sua pièce de résistance. O falatório do sujeito foi dominando o ambiente e ficando cansativo, até que nosso amigo anfitrião, para quebrar aquele massacre, lançou um desafio: fazer uma pesquisa ali, à vista de todos.

Orientado pelo deslumbrado digital, nosso amigo digitou lá no tal “professor de Deus” virtual:

– Boa tarde, GPT! Você pode explicar cientificamente por que o peido é tão fedorento?

ChatGPT: Claro, vou explicar o fenômeno do odor desagradável dos gases intestinais, popularmente conhecido como peido, de forma científica.

Os gases intestinais são compostos principalmente por nitrogênio, oxigênio, dióxido de carbono, hidrogênio e pequenas quantidades de gases como metano, sulfeto de hidrogênio (gás sulfídrico) e compostos orgânicos voláteis. O odor desagradável é principalmente atribuído à presença de compostos contendo enxofre, como o sulfeto de hidrogênio (H2S) e o metil mercaptano (CH3SH). 

Quando consumimos alimentos, especialmente aqueles ricos em proteínas, como carnes, ovos e leguminosas, ocorre a fermentação bacteriana no trato gastrointestinal durante a digestão. Essa fermentação produz gases como subprodutos metabólicos. As bactérias presentes no intestino grosso, particularmente aquelas que atuam na quebra de proteínas, podem liberar compostos contendo enxofre durante esse processo.

O sulfeto de hidrogênio é um gás altamente volátil e possui um odor semelhante ao de ovos podres. Já o metil mercaptano também é altamente volátil e possui um cheiro semelhante ao de alho ou cebola em decomposição. Esses gases podem ser liberados juntamente com os demais gases intestinais durante a flatulência, resultando em um odor desagradável.

Além disso, o odor do peido pode ser influenciado pela composição da microbiota intestinal de cada indivíduo. A diversidade e a quantidade de bactérias no intestino podem variar de pessoa para pessoa, o que pode levar a diferenças no odor dos gases produzidos.

 Vale ressaltar que, embora o odor dos gases intestinais seja considerado desagradável, ele faz parte de um processo natural do organismo e tem função importante na eliminação de gases acumulados no sistema digestivo.

 É importante mencionar que a ciência continua a investigar em detalhes os fatores que influenciam o odor dos gases intestinais, e a compreensão completa do fenômeno ainda está em desenvolvimento.

 Espero que essa explicação tenha sido útil e esclarecedora. Se você tiver mais perguntas, estou aqui para ajudar!

Entusiasmado, o nosso amigo do tipo que não vale m…. resolveu dar curso àquela indispensável pesquisa:

– Às vezes o peido não tem odor. Por que isso acontece?

ChatGPT (imperturbável): É verdade, nem sempre os gases intestinais possuem odor perceptível. Existem algumas razões pelas quais um peido pode ser inodoro:

– Composição dos gases: O odor dos gases intestinais está relacionado à presença de compostos contendo enxofre, como o sulfeto de hidrogênio e o metil mercaptano. Se a quantidade desses compostos for baixa ou ausente, o peido pode não apresentar odor.

 – Diluição: A diluição dos gases intestinais pode influenciar na percepção do odor. Se os gases são liberados em menor quantidade ou se misturam rapidamente com o ar ambiente, o cheiro pode não ser percebido.

 – Dieta: A dieta pode desempenhar um papel importante no odor dos gases intestinais. Alguns alimentos, como vegetais verdes, frutas cítricas e grãos integrais, contêm compostos que podem reduzir a produção de gases malcheirosos. Por outro lado, alimentos ricos em enxofre, como brócolis, couve-flor, repolho e ovos, podem aumentar a presença desses compostos e contribuir para o odor.

 – Fermentação bacteriana: A diversidade e atividade das bactérias presentes no intestino podem variar de pessoa para pessoa. Algumas pessoas podem ter uma microbiota intestinal que produz menos gases com odor desagradável.

 – Absorção: Parte dos gases produzidos no intestino pode ser absorvida pela corrente sanguínea e eliminada através dos pulmões, sem ser liberada como flatulência. Nesses casos, os gases não terão odor perceptível.

 É importante ressaltar que a ausência de odor em alguns peidos não indica necessariamente um problema de saúde. No entanto, se houver mudanças repentinas nos padrões de flatulência, como um aumento significativo no odor ou na frequência, é recomendado consultar um profissional de saúde para investigar possíveis causas subjacentes.

 Cada pessoa é única, e a produção de gases intestinais pode variar de acordo com fatores individuais, incluindo dieta, microbiota intestinal e outros aspectos fisiológicos.

Como uma última demão de tinta naquele assunto tão adequado a uma mesa de almoço, o anfitrião do jeca tech completou a pesquisa com uma pergunta que insistia em não calar:

– Cadáver peida?

ChatGPT (mantendo fleuma britânica): Após a morte, o corpo humano passa por um processo chamado decomposição, no qual ocorrem várias mudanças químicas e biológicas. Durante esse processo, podem ocorrer liberações de gases, incluindo metano e dióxido de carbono, que podem causar o que é comumente chamado de “peido cadavérico” ou “peido pós-morte”.

Esses gases são produzidos principalmente como resultado da atividade bacteriana no trato gastrointestinal do corpo. Durante a vida, o sistema digestivo contém uma grande quantidade de bactérias que auxiliam na digestão dos alimentos. Após a morte, essas bactérias continuam a agir, causando a liberação de gases.

É importante destacar que essas liberações gasosas ocorrem principalmente nas primeiras fases da decomposição, quando os tecidos ainda estão presentes e a atividade bacteriana é mais intensa. À medida que o processo de decomposição avança e os tecidos se degradam, a produção de gases diminui.

É importante ressaltar que o processo de decomposição e a produção de gases variam dependendo de vários fatores, como condições ambientais, temperatura, umidade e estado do corpo no momento da morte.

O jeca tech, lendo aquilo tudo em voz alta, estava em êxtase completo. Mas, como nem tudo são flores perfumadas, do outro lado da mesa, outro comensal que não vale m…. resolveu acionar nosso infalível e temido sistema de auditoria para desmascarar fuleiragens. Num procedimento simples, fez as mesmas perguntas em outro dispositivo digital.

Para nenhuma surpresa, o catedrático digital rodou, rodou, rodou e fez um belo Crtl+C/Ctrl+V de si mesmo e, no melhor modelo daquelas teses acadêmicas feitas por terceiros sob encomenda de alunos de meia-tigela – copiadas de segundos e primeiros que se deram ao trabalho de pesquisar e estudar –, mudou as palavras e a apresentação das respostas, certamente guiado por algum algoritmo sobre o perfil de cada um dos nossos inquisidores.

Severo estava ao lado da mesa. Acompanhava tudo impassível, interessadíssimo no desfecho. Afinal, conhecia a nossa turma não era de hoje. Ao fim da leitura do jeca tech, estufou o peito e proferiu sua sentença definitiva:

– O povo tem falado muito desse negócio aí. Vendo esse troço funcionar, só posso garantir o que vem da cozinha: há jacu! Assado, na brasa! E a batata tá assando!

Mesmo antes da auditoria, ouvindo a leitura “flactual” do jeca tech, já estávamos todos convencidos de que não tínhamos diante de nós apenas um penico cheio, mas uma fossa abissal, quase Mariana, de conhecimentos gasosos com e sem cheiro. Era uma obra de profundidade filosófica indiscutível, quase intestina.

Saímos do restaurante certos de que, com um aliado digital “professor de Deus” como o ChatGPT, agora vai! A produção acadêmica nunca mais será a mesma, estamos a caminho de uma nuvem de grande teor gasoso para soprar conteúdos e teses. Ao que tudo indica, entraremos na fase de mestres e doutores de grande volatilidade. Perfumados ou cheirando mal, pouco importa.

*Agradecimentos a Roberto Fontes, jornalista e um dos comensais pesquisadores.

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