Por Heraldo Palmeira
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2 de abril de 2025

E agora?

Reprodução/Jankiel Gonczarowska

E agora?

  • Heraldo Palmeira

“Foi apenas um jogo de futebol”. “O importante é que o Brasil está classificado e vai manter a escrita de único país a participar de todas as Copas”. A mídia pacheca está empenhada em achar desculpas para o que aconteceu em Buenos Aires, diante de um Monumental de Núñez lotado. Sim, a Argentina amassou o Brasil num 4×1 que, por sorte, parou aí. Sim, nós também já impusemos goleadas aos hermanos. Até hoje, a história do confronto registra 12 jogos com placar elástico, seis para cada lado. Sim, eles passaram fases horrorosas e longas como estamos passando. Mas isso é problema deles.

Como se fossem poucos os nossos problemas, ainda tivemos o Raphinha caindo na armadilha de Romário – um encrenqueiro falastrão e manjado – dizendo as bobagens que criaram um clima horroroso de derrota antecipada para nós mesmos. Ao final do jogo, a AFA (a CBF deles) colocou nas redes um filme sem som com a frase Que Hable El Fútbol (Que Fale o Futebol), mostrando belas imagens da goleada humilhante que nos impuseram.

A propósito, nosso aprendiz de falastrão se acovardou dentro de campo, correndo para dizer aos argentinos que tinha sido “mal traduzido”. Aqui, nós ouvimos em alto e bom som, em português claro, quando disse que ele mesmo faria um gol e daríamos porrada dentro e fora de campo se fosse necessário. Além da goleada, os hermanos ainda se deram ao luxo de não usarem o estilo costumeiro de pancadaria e catimba. Venceram no estilo academia, jogando o fino da bola.

Raphinha é apenas mais um exemplo claro do rito tradicional de meninos que saem de uma vida difícil nas periferias, sofrem humilhações, insistem no sonho e chegam ao estrelato. Difícil não descambar para o deslumbramento ao entrar num mundo de fama e riqueza, ainda mais jogando com destaque num dos grandes times do mundo como o Barcelona.

Durante a partida sumiu em campo e foi abandonado pelos companheiros quando cercado pelos adversários no intervalo do jogo. Um triste retrato do cada um por si que reina na Seleção, um balaio de gatos de novos-ricos sem qualquer senso de equipe ou de orgulho nacional. Aliás, algo que se acentuou desde que Neymar passou a ser a pecinha dominante no ambiente Canarinho com a conivência da diretoria, comissões técnicas, jogadores e mídia pacheca.

Olhando para o passado sem nostalgia, tínhamos jogos lotados de craques todos vindos das bases, que nasciam nos clubes e carregavam suas camisas com orgulho. Hoje, os times brasileiros estão cheios de jogadores estrangeiros de segunda linha, como se nossos meninos não fossem muito melhores. Mas esses meninos não têm espaço para desenvolver uma carreira por aqui, mesmo que busquem o sonho legítimo de migrar para a Europa. Em idades cada vez mais tenras são capturados pelos empresários, que oferecem vida melhor para a família e já chegam com um tal de estafe que isola o boleiro promissor do resto do mundo.

São esses meninos que não têm tempo e meios de desenvolver qualquer relação com o futebol brasileiro, muito menos com nosso time nacional. E ainda contam com a mídia pacheca, que passa a tratá-los como “joias”, esse conceito infame que ajuda a moldar uma realidade paralela que pode levar a resultados complicados – os exemplos mais recentes são Endrick e Vitor Roque, que deixaram o Brasil como favas contadas para dominar a Espanha até a realidade dar suas cartas poderosas.

Olhando para o passado sem nostalgia, os jogadores sonhavam em jogar na Seleção porque era trampolim para o exterior, contratos melhores em seus clubes de origem ou propostas de adversários. Hoje, fluxo invertido, os meninos precisam ir jogar na Europa em busca de chances de convocação e muitos chegam nas Datas FIFA sem que o país saiba de quem se trata.

Tempos muito diferentes onde era possível registrar Garrincha “pilotando” uma charrete, montado no cavalo, carregando Nilton Santos e Didi (foto) no bucólico interior de Minas. Todos já consagrados como campeões do mundo em 1958. Sim, os tempos são outros, mas a bola continua redonda e muito mais fácil de jogar do que aquele capotão de couro que chegava a pesar cinco quilos debaixo de chuva.

Muito mais do que um simples jogo de futebol, essa partida desastrosa pelas Eliminatórias da Copa 2026 é um grito de alerta. Ruidosíssimo, é bom que se registre, porque resume a falência do futebol brasileiro atual. Não foi à toa que, depois da goleada em Buenos Aires, os jogadores argentinos foram para a torcida pedir um minuto de silêncio porque o Brasil está morto. Muito além de sarro da nossa cara, um oportuno aviso fúnebre.

Por mais que se queira acreditar no contrário, é difícil ignorar os rumores de que a Seleção vem sendo convocada sob pressão de empresários de atletas. O desinteresse quase total da torcida pelos jogos pode ser uma reação? Apenas utilizando uma fala comum de que o Flamengo é o melhor time da América Latina neste momento, quantos desses jogadores medíocres que atuam em times de segundo e terceiro escalões das ligas europeias, e são titulares da Canarinho, jogariam no time de Filipe Luís?

Também ficou irritante essa desculpa de que não há tempo de treinamento. É mesmo? Então é preciso procurar imediatamente a cartomante argentina que conhece o caminho da mágica para que os hermanos joguem do jeito que estão jogando, com seus jogadores vindo da mesma Europa que os nossos e tendo a mesma falta de tempo para treinamentos. Aliás, a cartomante pode ser de outras nacionalidades, a julgar pelo que se tem visto nos jogaços entre seleções europeias que disputam neste momento a UEFA Nations League.

A Selecinha entrou num buraco que vem arrastando técnicos e os jogadores para a tragédia, virou uma espécie de máquina de moer sonhos. E o mais impressionante é que a CBF parece uma entidade deslocada do problema, como se fosse autoimune, como se não tivesse qualquer responsabilidade.

É claro que essa postura de alheamento conveniente já contaminou o sistema. Tanto que Ednaldo Rodrigues vai continuar tomando suas decisões sem ouvir ninguém. Egresso da federação baiana, foi eleito por unanimidade para mais um mandato no comando da CBF, com os votos de todas as federações estaduais e de todos os clubes das séries A e B. Ou seja, para o establishment está tudo ótimo, nada precisa mudar. Tudo indica, seguiremos com calendário insano, falta de tempo para os times realizarem treinamentos, gramados péssimos, cada vez mais grama natural trocada pela sintética – danem-se as lesões dos jogadores –, arbitragens trágicas, VAR desconcertante… Como não contaminar a Seleção com essa bagunça?

O futebol brasileiro de hoje é a cara do presidente da CBF: obtuso e isolado em seu castelo sustentado pela soberba do que já fomos. Há um muro que vem sendo erguido sorrateiramente desde nossa última conquista mundial em 2002, e finalmente demos com a cara nele. Faltando pouco mais de um ano para a próxima Copa, mais uma vez estamos discutindo quem poderá ser o novo técnico – Carlo Ancelotti, Jorge Jesus, Filipe Luís, Renato Gaúcho, Rogério Ceni são nomes cogitados para suceder Dorival Júnior.

Também é preciso saber quem poderá cobrar postura desses jogadores cheios de estrelismos para defender a camisa do país, fazer esses caras se sentirem parte de alguma coisa nacional e não carregando um fardo como demonstram. Claro que os argentinos não aceitam ensinar isso. Talvez seja a água do Prata, pois os uruguaios também carregam essa gana dentro de suas camisas nacionais.

No meio do nosso caminho de retomada tem uma pedra chamada Neymar, cujas extravagâncias na Seleção foram retribuídas com veneração inversamente proporcional ao que ofereceu dentro de campo desde que vestiu a Amarelinha. Diretoria, comissões técnicas, jogadores e imprensa pacheca fingiram não ver seu desajuste que passa por falta de equilíbrio emocional, ausência de resultados relevantes, fiascos em todas as Copas do Mundo que jogou – a ponto de virar meme internacional – e má influência para o grupo.

Surgiu dotado de futebol diferenciado, mas em 16 anos de carreira teve apenas os primeiros oito de relevância jogando no Santos e Barcelona. A segunda metade no Paris Saint-Germain e Al-Hilal foi marcada por um rosário de encrencas, lesões e excessos de boemia internacional, tempo em que começou a jogar a própria carreira no lixo. E muita gente ainda se revoltou com a sinceridade de Jorge Jesus a respeito do seu estado físico.

De volta ao Santos aos 33 anos, a opulência e as confusões seguem iguais, mas os crédulos se dividem. Uns acreditam que ele precisa de um “ambiente de carinho” para voltar a jogar em alto nível e retornar em grande estilo à Seleção. Outros dizem que deseja comprar o clube e abrir uma nova frente de negócios. Há também os que garantem que o projeto engloba as duas coisas. De concreto, o clube informou que ele se encontra numa tal “transição física” para não forçar, e ficará de fora das primeiras rodadas do Brasileirão.

No fundo, parece que virou apenas um pobre bilionário fustigado por lesões maltratadas e definitivas, cada vez mais ocupado pelas noitadas e desfrutes com os “parças” e distante do futebol profissional. É esse mesmo Neymar que, ainda capaz de exercer grande influência na CBF, é cogitado para salvar a Canarinho da crise e conquistar o hexacampeonato na Copa 2026. Algo mais próximo do carteado de pôquer, onde o blefe faz parte da estratégia do jogo.

Convenhamos, esse plano para recompor o futebol brasileiro é uma aposta bem difícil porque Neymar é uma espécie de utopia que traduz essa fase horrorosa em que a Seleção Brasileira se tornou inexistente. Os craques lúdicos que se divertiam andando de charrete e ganhavam tudo em campo por amor à camisa deram lugar a meninos mimados que viajam em jatinhos com roupas e acessórios espalhafatosos e a cabeça na próxima balada. E agora?

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