Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

É assim que eu digo? (Parte 1)

Mahesh Patel/Pixabay

É assim que eu digo? (Parte 1)

  • João Galvão Neto

Olavo Bilac, no soneto “Língua Portuguesa”, começa dizendo “Última flor do Lácio, inculta e bela”, se referindo ao idioma Português como a última língua derivada do Latim Vulgar falado no Lácio, uma região italiana. Inculta por ser baseada no latim falado pelo povo e não derivada do latim erudito, mas bela pelos motivos que todos nós seus falantes conhecemos. Língua bela em prosa, poesia e, principalmente, cantada.

Quando a ouvimos em poesia com aspectos regionais, com formas diferentes das eruditas aprendidas nas escolas, sua beleza se ressalta na forma pura da expressão do cidadão que a usa como comunicação do que vai no seu coração ou como ele vê sua sociedade, como, por exemplo, Patativa do Assaré [Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002)], poeta e repentista brasileiro, um dos principais representantes da arte popular nordestina do século XX, nascido no município de Assaré, no sul do Ceará. Patativa não precisou das regras da gramática para ser grande.

A liberdade poética e artística usualmente não se estende aos meios de comunicação ou a quem necessita expor ideias de forma clara e precisa. A esses se faz necessária a palavra certa, bem escrita e bem falada, para evitar que se confunda a mensagem. Não é puritanismo linguístico, ainda que pareça ser. Hoje em dia, aqueles que usam a palavra certa, em escrita ou fala, é muitas vezes olhado com estranhamento por aqueles que nunca ouviram a forma correta. Arreglo soa estranho para quem está acostumado a falar arrego, estrambótico, também, para quem espera ouvir estrambólico. Às vezes, alguns repetem a forma errada para evitar uma situação constrangedora ou conflituosa em uma conversa entre amigos. A comunicação está ocorrendo, não se faz necessário interrompê-la. Vejamos algumas situações:

Silabadas ou Erros de Prosódia

A prosódia consiste na mudança do acento tônico da palavra, gerando um estranhamento ou até mesmo uma incompreensão da palavra que se falou. Se não sabemos qual é a sílaba forte da palavra, é comum com palavras que não levam acento gráfico, podemos cometer uma silabada. Há quem fale rúbrica em vez de rubrica, como deveria ser, ou púdico em vez de pudico. Vejam o exemplo seguinte com sugestão de pronúncia em parênteses. Sintam se a pronúncia sugerida soa natural:

Com o intuito (intu – ito) de que não haja nenhum curto-circuito (circu – ito) na comunicação, informamos que o evento muito (mu – ito) esperado será gratuito (gratu – ito). Logo, cheguem cedo para evitar algum problema fortuito (fortu – ito).

Ora, se nós falamos intuito (intúito), circuito (circúito), muito (múito) e fortuito (fortúito), por que havemos de aceitar que algo grátis seja chamado de gratuito (gratu – ito)?

Nenhuma dessas palavras recebe qualquer tipo de acento, terminam da mesma forma e, logo devem manter o mesmo tipo de prosódia, evitando a silabada que ocorre em muitas falas que têm até lugar privilegiado nos meios de comunicação. Algumas canções populares têm repetido esse tipo de erro com tanta frequência que se torna difícil evitar o processo de fossilização do erro. Em algumas regiões a forma silabada de certas palavras virou a forma mais usada e dependendo da importância de quem difunde a pronúncia (às vezes, a escrita também) as outras regiões adotam sem discussão. Os dicionários grafam a palavra subsídio mostrando um “s” entre parênteses para indicar a pronúncia do “s” interno, mas a pronúncia “subzídio” tem se mostrado hegemônica mesmo na academia, talvez numa aceitação da variante paulista. Há outras palavras que são usadas em outras regiões com escrita diferente da dicionarizada, mas que nunca foram abandonadas por seu povo. Bugiganga é falada na Bahia e em outros estados do Nordeste como buginganga, com a nasalização do i ao receber um “n” no falar popular. O mesmo ocorre com a palavra braguilha, que é costumeiramente falada pelo povo como barguilha (ouçam Gilberto Gil em Ladeira da Preguiça), lagartixa, como largatixa etc. Ou ainda uma nasalização marcante no falar sudestino e sulista do “ai” em Jaime (Jãime) ou Roraima (Rorãima). Em Roraima e no nordeste brasileiro chamamos Roraima (Roima, com a aberto), acontecendo semelhantemente com Jaime (Jáime, a aberto). Entendo que daqui a alguns anos (muitos, espero) alguns falares regionais e erros já fossilizados poderão ser dicionarizados e passar à fala comum. As línguas são vivas, influenciáveis, sim, mas não mudam por decretos ou vontade de grupos culturais, sociais ou políticos.

O site do TRF3 (https://www.trf3.jus.br/emag/emagconecta/conexaoemag-lingua-portuguesa/prosodia-esilabada-definicoes-e-exemplos) nos fornece alguns exemplos que podem evitar erros comuns sobre prosódia. Vejamos:

Oxítonas (a tônica é a última sílaba): condor (e não côndor); mister; Nobel; ruim; sutil (sem acento) significa o que é fino, delgado, tênue, delicado; til (com acento) por sua vez existe e se refere a algo que tem emendas ou construído com pedaços, costurado.

Paroxítonas (a tônica é a penúltima sílaba): avaro; caracteres; edito (= lei, decreto); filantropo; fluido; fortuito; gratuito; ibero; juniores; necropsia.

Proparoxítonas (a tônica é a antepenúltima sílaba): atema; édito (ordem judicial); ínterim (e não interim); ítalo (todas as proparoxítonas são acentuadas, não gerando dúvidas quanto à sílaba tônica).

A dupla prosódia, duas formas de acentuação tônica e grafia, com o mesmo significado, também ocorre. Por exemplo:

Acróbata ou acrobata; alópata ou alopata; boêmia ou boemia; hieróglifo ou hieroglifo; xérox ou xerox (ainda que o termo em inglês seja pronunciado como oxítona).

*JOÃO GALVÃO NETO, professor de línguas portuguesa e inglesa

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