Divulgação/FIFA
Eliminatórias em jogo
- Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli
Foi dada a largada para a Copa do Mundo de 2026, que será disputada na América do Norte, tendo Estados Unidos, Canadá e México como países-sede. Como anfitriões do evento, os três já estão classificados para a competição. Pela primeira vez o torneio será disputado por – pasmem! – 48 seleções nacionais, inchaço que, de um lado, abre possibilidades para alguns estreantes debutarem. Em compensação, abaixa ainda mais um nível técnico que vem se deteriorando de quatro em quatro anos.
A competição terá 12 chaves com 4 equipes em cada, classificando-se para a fase seguinte as duas primeiras colocadas de cada grupo e as 8 terceiras mais bem pontuadas, perfazendo 32, que iniciarão daí as fases de mata-mata até a grande final. A abertura da Copa será dia 11 de junho de 2026 e a decisão do título em 19 de julho. Os locais ainda não foram definidos, mas já especulam que que Cidade do México tenha o jogo inicial e Nova York a grande final.
Participarão do evento as seleções classificadas nas Eliminatórias continentais e as vencedoras da repescagem, o torneio intercontinental. As vagas estão assim distribuídas:
– 16 para a UEFA (Europa)
– 9 para a CAF (África)
– 8 para a AFC (Ásia)
– 6 para a CONCACAF (América Central América do Norte, Caribe), 3 correspondentes aos países-sede, somados aos 3 melhores das Eliminatórias)
– 6 para a CONMEBOL (América do Sul)
– 1 para a OFC (Oceania)
– 2 para os países ganhadores do torneio de repescagem, que terá a participação de 6 equipes (2 seleções centro-americanas, 1 sul-americana, 1 asiática, 1 africana e 1 da Oceania.)
A largada já foi dada. Os primeiros jogos aconteceram no âmbito da CONMEBOL, que inclui o Brasil e que vai classificar os 6 primeiros colocados (60% dos participantes) diretamente para o Mundial e o 7º para a repescagem intercontinental. Como apenas 10 equipes se fazem presentes no torneio, é difícil que nosso time não se classifique e mantenha a escrita de único país a participar de todas as Copas do Mundo.
A primeira rodada – em que as seleções da América do Sul jogaram duas vezes, uma dentro e uma fora de casa – apresentou jogos e resultados que demostram um nível técnico sofrível e o equilíbrio esperado entre as seleções. Afinal, com a exceção de Brasil e Argentina, que seguem num patamar técnico bem acima das demais, todas têm condições de obter sua classificação. Até a seleção venezuelana (a “vinotinto”), que nunca participou de uma Copa, pode finalmente realizar esse sonho nacional.
Na primeira rodada tivemos Brasil 5×1 Bolívia, Argentina 1×0 Equador, Uruguai 3×1 Chile, Colômbia 1×0 Venezuela, Paraguai 0x0 Peru. Na segunda, Peru 0x1 Brasil, Bolívia 0x3 Argentina, Chile 0x0 Colômbia, Equador 2×1 Uruguai e Venezuela 1×0 Paraguai. Com exceção deste último resultado, uma meia zebra como se diz no jargão futebolístico, os outros placares não trouxeram surpresas. Porém, pela baixíssima qualidade das partidas, o que soa alarmante é como as seleções do nosso continente envelheceram, estão cada vez mais fracas e distantes taticamente das europeias, ao tempo em que permitem a aproximação – quanto ao nível técnico – daquelas de outros continentes que nunca foram potências no esporte.
Após esse início das Eliminatórias, o que pudemos observar? Em primeiro lugar que Argentina e Brasil não devem encontrar dificuldades em se classificar, são bastante superiores às demais. A Argentina manteve toda sua ótima base atual, campeã mundial, inclusive com os veteraníssimos Messi e Di Maria. O Brasil, apesar de algumas convocações contestadas e ausências inexplicáveis (como sempre!), ainda nada de braçada no continente. Quanto às demais, equilíbrio acentuado, tudo pode ocorrer.
O Uruguai, agora sob o comando de El Loco, o argentino Marcelo Bielsa, está renovando totalmente seu time com o afastamento de jogadores veteranos que vinham defendendo a Celeste desde 2010 (Cavani, Suárez, Godín, Muslera). Uma equipe que perdeu muito poder ofensivo (hoje limitado a Darwin Núñez), está experimentando novas formações defensivas, inclusive fazendo improvisações, e aposta em boas revelações no meio-campo (Betancourt, Valverde, Ugarte) e no gol (Rochet).
Na contramão dos uruguaios, vem o Chile. Apesar do ocaso da melhor geração de sua história, os chilenos insistem com veteranos como Medel, Aránguiz, Sánchez e Vidal, que caíram de produção e, para piorar a situação, não têm hoje coadjuvantes à altura. O Paraguai não é muito diferente – com boa defesa, segue com o crônico problema de falta de poder de fogo ofensivo. O Peru tem um time apenas esforçado, que insiste com Yotún, Trauco e Paolo Guerrero.
Duas equipes que tiveram uma renovação maior e melhor, com a ascensão de bons jogadores das categorias de base, foram Equador (hoje a terceira força do continente) e Colômbia (em menor escala, mas também com algumas revelações). A Bolívia nunca esteve tão fraca e convive hoje com uma crise gerada pela máfia de apostas no país. A Venezuela, embora continue melhorando, ainda demonstra ser uma seleção bastante limitada.
No caso da Seleção Brasileira, seguem as interrogações. Os mais céticos permanecem agarrados no velho ditado “nada é tão ruim que não posa piorar”. Assistir ao time de Fernando Diniz jogar segue dando desânimo. Segue a confusão tática enfeitada por narradores ufanistas, repórteres fofoqueiros e comentaristas tentando falar bonito. É difícil não aceitar que vivemos uma crise de esportes coletivos no país – basquete, vôlei e futsal despencaram no ranking mundial –, que a Canarinho sintetiza pela maior visibilidade do futebol.
É doloroso ver Neymar socar grotescamente o ar (nem nisso ele chega perto do Rei Pelé), comemorando seu recorde de gols pela Seleção incensado pelos pachecos de plantão. E ainda conseguem compará-lo a craques como Zico e Zizinho pelo parâmetro canhestro de não terem ganhado uma Copa. É degradante! Isso tudo diante de uma inofensiva Bolívia, onde conseguiu perder um pênalti – na verdade, recuou a bola para o goleiro – e quase ser expulso de forma infantil. Para arrematar esse cenário constrangedor, somos obrigados agora a aturar o tal “dinizismo”, uma filosofia tão consistente como a flexibilidade dos cachimbos de barro.
Essa “teoria revolucionária” atribuída a Diniz, que oferece como grande novidade o jogo de toquinhos curtos, faz parecer – na voz fanha dos pachecos – que o sistema tático tiki-taka do grande Barcelona de Guardiola nunca existiu, e que hoje é apenas uma criatura que o próprio criador deixou no passado. Sem contar o ancestral Carrossel Holandês desenhado pelo técnico Rinus Michels, cujo piloto era o fabuloso Johan Cruyff.
Quando um novo técnico assume o comando de uma equipe, todo mundo espera mudanças. O “dinizismo” mantém intocável o esquema com laterais que não marcam e nem se lançam ao ataque. Também acredita que vai transformar um xerife brucutu como Casemiro – na altura em que caminha para o fim da carreira – num volante leve e distribuidor de jogo com bola rápida e de qualidade. Talvez falte coragem de simplesmente promover a titular algum jovem que anda jogando bonito por aí.
Segue a teimosia em não colocar em campo os armadores, aquelas cabeças pensantes que organizam o jogo apoiando, desarmando, chutando de fora da área, cobrando faltas e desequilibrando em jogadas individuais. Nos últimos tempos, quando foram convocados assistem às partidas do banco de reservas.
Outros atacantes poderiam ser testados, mas continua valendo a regra não escrita de só convocar quem joga na Europa, sem que ninguém explique direito o que isso significa. E pouco importa que os escolhidos andem brigados com as redes. Em que planeta Pedro, Roni, Vítor Roque e Endrick são piores que Richarlison, Raphinha e Gabriel Jesus? E diante de nulidades como a maioria dos países das Eliminatórias, qual o perigo de colocar esses “brasileiros” em campo? Precisa conversar antes com os empresários?
Virou moda no Brasil a conversa mole de que é preciso não jogar os meninos aos leões, para preservar o desenvolvimento de suas carreiras. Engraçado é que também está aqui a resposta definitiva a tamanha bobagem, quando o técnico Sylvio Pirillo teve peito para convocar um certo Édson Arantes do Nascimento com apenas 10 meses de carreira e 16 anos de idade. O “leão” a enfrentar era ninguém menos que a Argentina, pela Copa Roca. O menino entrou em campo aos 20 minutos do segundo tempo e, aos 31, meteu a bola nas redes dos hermanos. Foi assim, de peito aberto, que nasceu o tal do Pelé, a figura sobrenatural que jamais será igualada no futebol, responsável por mudar a visão do mundo para o jogo da bola.
O mais impressionante é que, mesmo em se tratando de Seleção Brasileira, esse cuidado não é considerado ao escolher um técnico, e os exemplos são muitos. Mesmo que a era Tite tenha sido modorrenta, é inegável que Adenor Bacchi tinha estrada e história para contar ao ser contratado. Foi campeão estadual algumas vezes, da Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro, Recopa Sul-americana, Copa América, Libertadores e Mundial de Clubes – inclui nessa conta a Tríplice Coroa. Já seu sucessor Fernando Diniz chega à Canarinho famoso por decolar bem e perder potência de voo – os gaiatos colaram nele a figura do tal “cavalo paraguaio” –, tendo no currículo um único título, o de campeão do estadual do Rio. Precisa lembrar que os estaduais ficaram tão indigentes que foram transformados em pré-temporada pelos clubes relevantes?
Por fim, a cereja que continua azedando o bolo veste a outrora gloriosa e temida camisa 10 brasileira. Já está mais do que comprovado em um rosário de Copas perdidas que Neymar amarela de amarelo, nunca disse ao que veio e não serve para coordenar o time em campo, quanto mais ser seu capitão – nem Messi, muitas prateleiras acima, organiza o time da Argentina. Neymar é um atacante que não sabe marcar, é instável emocionalmente e, pior, mata muitos contra-ataques por preciosismos, individualismos, simulações, brilharecos exibicionistas e egoísmos. Além disso, centraliza o jogo, parece que todos têm a obrigação de marcar por ele ou passar-lhe a bola. Comporta-se desde os tempos do Santos como se fosse o menino rico e mimado que se acha o dono do pedaço. E todos agem exatamente para criar essa “verdade”, exceção ao Barcelona, onde foi tratado como apenas mais um e viveu seu melhor momento. Quem tem peito de não convocar ou de deixar essa figura no banco? Um certo Carlo Ancelotti, ora!
Talvez por isso já estejam estridentes tantos discursos enaltecendo o “dinizismo” conivente, usando como base dois joguinhos mixurucas das Eliminatórias, quando enfrentamos a limitadíssima Bolívia (que disputaria com dificuldades a série C do Brasileirão) e o Peru (que encontraria dificuldades em não ser rebaixado na B, um pouquinho melhor). Enfim, veremos o que nos espera. Duro é ter que ouvir frases do tipo “O Brasil é mais feliz com o Diniz”, partindo daqueles “formadores de opinião” que já contestam Ancelotti na Seleção. Uma gente que não suporta a ideia de mudança e não abre mão de privilégios como acesso direto, conversas ao pé do ouvido e informações exclusivas. O futebol de várzea que a Seleção joga há décadas é detalhe.