Por Heraldo Palmeira
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18 de maio de 2024

Escolas com livros

Reprodução/UNESCO

Escolas com livros

  • Heraldo Palmeira

Nos tempos recentes as sociedades passaram por uma maciça digitalização da vidinha analógica vivida até então. De repente, quem não estivesse inteiramente sintonizado com o mundo tecnológico era, no mínimo, condenado a viver num gueto jurássico.

Claro que a revolução tecnológica chegou às salas de aula com a promessa de revolucionar o sistema educacional, ostentando sedutoras promessas de acesso a uma quantidade incalculável de conteúdo e modernizar tudo que se passou a determinar como superado. De quebra, enfeitou discursos de burocratas e políticos.

Entretanto, como já dizia o velho ditado popular “nem tudo que reluz é ouro”, cada vez mais há indícios de que a revolução tecnológica não anda se harmonizando com o ambiente da educação, e não são poucas as vozes relevantes falando abertamente a respeito.

Após resultados desastrosos na queda de aprendizagem, o governo sueco acaba de anunciar que vai recuar na digitalização de suas escolas. Assim, o Ministério da Educação pretende promover uma volta aos tradicionais livros de papel – que há séculos guardam o saber humano com suprema eficiência –, suspendendo um ambicioso projeto de digitalização do ensino iniciado há 15 anos. “Estamos em risco de criar uma geração de analfabetos funcionais”, advertiu a ministra da Educação Lotta Edholm, assustada com a queda da nota do país no Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS, na sigla em inglês), exame internacional que avalia o desempenho em leitura dos estudantes.

Em entrevista ao jornal francês Le Monde, a ministra afirmou que esse mau desempenho é resultado da forma como os recursos digitais foram inseridos no sistema educacional, sem uma postura crítica das autoridades  – nos últimos 15 anos a Suécia promoveu a troca de livros didáticos por computadores, tabletes, aplicativos e plataformas tecnológicas.

Os suecos estão diante de resultados negativos da tecnologia no ensino difíceis de refutar: professores ficaram sem acesso aos livros didáticos, alunos perderam o hábito da leitura e famílias passaram a ter dificuldade para ajudar suas crianças e jovens no processo educacional. Por isso, além de interromper o processo de digitalização, o governo iniciou um programa de reintrodução de livros nas salas de aula. “Os livros têm vantagens que nenhum tablete pode substituir. No futuro, o governo que ver mais livros didáticos e menos tempo de tela nas escolas”, disse a ministra.

A decisão das autoridades suecas de abandonar a digitalização das escolas teve base em evidências científicas apresentadas por mais de 60 especialistas, e o programa vai exigir investimentos de € 150 milhões (R$ 789 milhões) até 2025. “Todas as pesquisas sobre o cérebro realizadas com crianças mostram que elas não se beneficiam do ensino com base em telas”, concluiu Edholm.

A Holanda é outro país desenvolvido que anunciou medidas de grande impacto no seu sistema educacional: a partir de 1º de janeiro de 2024 estarão proibidos telefones celulares, tabletes e relógios multifuncionais (smartwatches) em salas de aula. Os dispositivos continuarão liberados apenas nos casos em que sua utilização é indispensável, como aulas de habilidades digitais, motivos médicos e suporte a pessoas com deficiência. As escolas terão autonomia para organizar a aplicação das novas regras e o governo vai monitorar os resultados para definir eventuais ajustes na experiência (leia mais em Escolas analógicas, link abaixo).

Alerta da UNESCO Foi publicado recentemente o Relatório de Monitoramento Global da Educação 2023 – A tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?. O relatório é uma publicação independente anual financiada por governos, agências multilaterais e fundações privadas, facilitada e apoiada pela UNESCO, a agência da ONU voltada para educação, ciência e cultura.

Nesta edição o documento tem como tema uma pergunta inquietante, acompanhada de alguns alertas para os reflexos da introdução de tecnologias no ambiente educacional sem uma análise crítica adequada.

Muitos críticos acreditam que a invasão tecnológica sem qualquer critério nas escolas pode estar se resumindo apenas a um ótimo negócio para a indústria. O próprio relatório da UNESCO aponta que, até agora, faltam evidências sólidas e imparciais a respeito do impacto positivo da tecnologia educacional.

Como se não bastasse o fato de que a maioria das evidências positivas são produzidas por aqueles que estão tentando vender as tecnologias, há o sério problema da velocidade das inovações, pilar da indústria da tecnologia – em média, a cada 36 meses os produtos estão totalmente ultrapassados, o que dificulta avaliações mais consistentes.

Quando as contribuições digitais se sobrepõem aos resultados de aprendizagem o resultado não custa a aparecer. No Peru, foram distribuídos mais de 1 milhão de laptops aos estudantes sem incorporá-los à pedagogia e não houve impacto na aprendizagem. Nos EUA, análise com mais de 2 milhões de alunos revelou que o índice de aprendizado baixou quando o conteúdo estava sendo transmitido exclusivamente por meio remoto.

O relatório evidencia o equívoco que o excesso de tecnologia pode representar para a educação. Dados internacionais obtidos em 14 países – incluem as informações fornecidas pelo Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA, na sigla em inglês), referência na educação mundial – apontam que a simples proximidade com um celular causa distração suficiente para provocar um impacto negativo no aprendizado.

Saiba mais

Relatório Unesco   https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por

Leia também

Escolas analógicas   https://giramundo.blog.br/escolas-analogicas/

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