Por Heraldo Palmeira
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2 de abril de 2025

MARTA GOMES Fé na gente

Reprodução/Internet

Fé na gente

  • Marta Gomes

“Pois seja o que vier | Venha o que vier | Qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar | Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar” (Fernando Brant-Milton Nascimento)

Há alguns anos costumo abençoar a semana de todos que estão próximos a mim. Começou pelos filhos e hoje estendo essa bênção a todos com quem tenho relacionamento, seja na família ou entre amigos. É importante entender que uma bênção não tem nada a ver com religião. A benção é o ato de estender seu pensamento ao outro com boas energias, amor, positividade e sentimento de proteção.

Ter uma religião, a meu ver, torna a vida mais leve, mais fluida, embora religião seja um tema sempre controverso. Por isso, prefiro respeitar firmemente a filosofia e o modo de ser que cada um escolhe para viver, a opção religiosa incluída.

Refletir sobre relacionamentos é algo que sempre me interessa muito, e li com alegria e surpresa algo a respeito de uma palestra apresentada no início do mês no South by Southwest. Mais conhecido como SXSW, é um evento anual multidisciplinar realizado em Austin, Texas, Estados Unidos, que engloba mídia interativa, cinema, música e tecnologia.

A palestra tratou da importância de as pessoas terem relacionamentos em suas vidas. É um ponto de reflexão importante, ainda mais se levarmos em conta o afastamento social causado pela pandemia, que deixou um rastro de pessoas solitárias, principalmente os mais jovens, criando um novo cenário que está demorando a voltar para a normalidade.

É nítido que o isolamento social deixou em seu rastro uma marca nova e preocupante: a dificuldade enorme que muita gente tem enfrentado para travar novas conversas, se inserir em novos grupos, se relacionar com os colegas de trabalho e superar travas emocionais no campo afetivo. Talvez a grande desvantagem do home office seja o afastamento das pessoas, que, antes da pandemia, desfrutavam de ambientes favoráveis à criação de novas amizades e até relacionamentos amorosos, tinham a interação social como elemento relevante do cotidiano. Sem contar a facilidade para trocar ideias e potencializar processos criativos nas atividades profissionais.

Vejo crianças e jovens travando relacionamentos avançados para os mais diversos fins com Alexa, Siri, Google, ChatGPT e outras inteligências artificiais. Admito que também utilizo essas ferramentas quando tenho dúvidas ortográficas, geográficas, históricas, científicas ou preciso de uma receita ou dica de como preparar aquele bolo de chocolate sempre bem-vindo. Mas estou longe de sentir que esse seja realmente um relacionamento. Aliás, é algo muito distante disso.

A IA é uma tecnologia que veio para ficar, para facilitar nossa vida e para agregar valor ao nosso trabalho. É indiscutível. Mas, atenção: a IA não tem alma! Ela é uma máquina que opera como seu carro, seu computador, seu smartphone, sua máquina de lavar. Pode ter inúmeros botões com novas soluções incríveis e luzes que fazem você ligar o painel mesmo sem necessidade. Mas, numa análise pragmática, não deverá ir muito além disso: uma ferramenta auxiliar à inteligência humana.

Trocar expressões vivas da convivência humana como um abraço apertado, uma conversa demorada e um passeio no parque pela “companhia” de uma IA – normalmente em ambientes solitários – pode ser perversamente perigoso.

Ter amigos sempre foi e sempre será a melhor maneira de enxergar o mundo e viver bem nele. As pessoas são o espelho do universo em que vivemos. Só elas são capazes de promover a experiência dos afetos. Só elas nos ensinam com exemplos de vida, nos apoiam quando enfrentamos problemas ou precisamos tomar decisões importantes, nos ajudam a rir nos encontros, chorar nas despedidas, superar os traumas e partilhar um bom almoço de domingo em família ou ampliado aos amigos. Só pessoas conseguem alcançar essas vivências e parece improvável que sejam assumidas pelas tecnologias; dificilmente deixarão de ser exclusividade da natureza humana.

Quanto à benção, é uma maneira de dizer silenciosamente ao seu próximo que ele é importante para você. E que deseja a ele tudo de bom que também almeja. A benção vem da alma e nenhuma IA será capaz de abençoar seu dia, sua semana, sua vida. Bênção continuará sendo uma questão de fé. Nada mais humano. Tenhamos fé na gente.

*MARTA GOMES, empresária e observadora do mundo

Ouça aqui

Canção da América   https://www.youtube.com/watch?v=75kf9y_fukM&t=2s

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