Por Heraldo Palmeira
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3 de dezembro de 2024

Havaianas, as legítimas

Havaianas/Divulgação

Havaianas, as legítimas

  • Heraldo Palmeira

“Legítimas só Havaianas”. Esse bordão diz tudo sobre o chinelo que a Alpargatas criou em 1962 e virou fenômeno que se renova até hoje. Afinal, as Havaianas são aquelas que “não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro”.

A empresa resolveu continuar pisando na borracha que já havia produzido os solados de dois fenômenos para os pés, os tênis Conga (1959) e Bamba (1961), que terminaram calçando os brasileiros até os anos 1990 – e ainda nem tinha nascido o tênis Kichute (1970), que chegou a vender 9 milhões de pares/mês, nada menos que 10% da população do país naquele período dos famosos “90 milhões em ação” da música ufanista que embalou o tricampeonato mundial de futebol da Seleção Canarinho nos gramados do México.

As Havaianas foram inspiradas na sandália de dedo japonesa Zori, feita de palha de arroz – vem daí o formato de grão de arroz utilizado na textura da palmilha, achado de design que virou um clássico. O produto foi lançado em modelo único de duas cores: o branco obrigatório na palmilha e as tiras no mesmo azul do solado.

Em 1964, uma grande jogada de marketing jogou as vendas nas alturas: os vendedores-viajantes levavam estoques de Havaianas em kombis, que dirigiam pelos quatro cantos do país. Estacionavam os veículos em pontos estratégicos dos comércios locais e as pessoas logo se aproximavam para comprar seus pares do chinelo e saber das novidades da cidade grande. A ação foi tão importante para a história comercial da marca que, recentemente, uma nova kombi itinerante graciosamente denominada “foot truck” passou a fazer parte dos eventos Havaianas.

Em 1966 a patente foi concedida como um calçado inédito e descrito “um novo tipo de sola com alça”. Estava reconhecida a invenção do chinelo de dedo de borracha. Vem daí a alcunha “As Legítimas”.

Em 1969, um erro operacional do maquinário da indústria fez surgir a versão com tiras verdes. O modelo “indesejado” fez sucesso imediato e abriu as portas para as versões amarela, preta e ferrugem, ampliando a linha Tradi.

Nos anos 1980, momento em que o país estava corroído por inflação galopante, as Havaianas já desfrutavam de tal prestígio no cotidiano brasileiro que foram incluídas numa lista de itens básicos da economia, estabelecida pelo Ministério da Fazenda. Assim, tiveram seu preço tabelado pelo governo para que ficassem protegidas do descalabro dos aumentos diários que infernizavam a população.

Em 1994, uma nova onda que bateu nas areias marinhas causou outra revolução no produto. Os surfistas simplesmente viraram o solado colorido de suas Havaianas para cima, criando modelos monocromáticos e com ar de exclusividade. A Alpargatas embarcou na viagem e criou a linha Top, oferecendo todas as cores do arco-íris e outros tons determinados pelas tendências fashion dos consumos sazonais.

Seguindo a onda da novidade, no ano seguinte surgiu o primeiro chinelo estampado. O motivo eram flores de hibiscus, planta nativa do Havaí, como uma espécie de homenagem + afago aos surfistas. Sucesso absoluto que determinou a prática de apresentar até hoje novas estampas e inovações nas coleções.

Em 1998, a Copa do Mundo da França inspirou uma edição limitada relacionada com o torneio da FIFA. Nasciam ali as Havaianas Brasil, com uma pequena bandeira brasileira nas tiras e as cores nacionais inseridas em listras no solado. Nunca mais deixaram de ser fabricadas, dando origem a outra linha de grande sucesso da marca.

O ano de 2007 foi estratégico. Além de comprar a concorrente pernambucana Dupé, garantindo a liderança do mercado nacional, a Alpargatas partiu para implantar a estratégia de produto global. Comprou 60% da operação argentina e abriu escritório em Nova York. Em 2008, atravessou o Atlântico para chegar à Espanha e, no ano seguinte, desembarcou no Reino Unido, França e Itália para se espalhar pela Europa.

Há quem tente explicar o sucesso das Havaianas no fato de serem clássicas, confortáveis e versáteis. Os mais prudentes afirmam que elas são um fenômeno e que fenômeno não tem explicação.

Seja lá qual for a fórmula desse megassucesso, é fato que, embora tenham calçado apenas pés mais simples do interior e das periferias urbanas por muito tempo, encantaram os que voltavam às suas origens, foram chegando a todos os lugares nos pés dos jovens como símbolo de liberdade naqueles tempos de revolução cultural. Em pouco tempo, viraram item onipresente do vestuário e hoje quase alcançam o ambiente do inconsciente coletivo.

Navegando com precisão mercadológica na correnteza das mudanças sociais do seu tempo, terminaram encontrando o caminho dos closets mais chiques a partir de diversos intercâmbios sociais e viraram ícones da cultura pop mundial.

Não há mais dúvida de que o mundo botou o pé no chinelo. Tanto que, desde 2018, as Havaianas fazem parte do acervo do descoladíssimo MoMA-Museu of Modern Art, de Nova York. O que, definitivamente, não é para qualquer um!

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