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Poesia potiguar
- Horácio Paiva
A resposta a uma das perguntas da entrevista concedida à União Nacional de Escritores e Artistas Cubanos (Uneac) em 2019, gerou esta Nota Sobre as Raízes da Poesia Potiguar
O Rio Grande do Norte, apesar de ter seu território, sobretudo seu litoral, conhecido e mapeado pelos europeus (portugueses, espanhóis e franceses) desde o início do ciclo de suas grandes descobertas marítimas e da expansão de sua colonização, no século XVI, somente veio a intensificar-se como polo social e cultural autônomo a partir de meados do século XIX (quando deixou a dependência econômica e política de Pernambuco), não obstante bem antes ter sido demarcado como Capitania Hereditária (na colonização portuguesa) e, depois, Província. Com o advento da República (1889), tornou-se Estado. Antes disso, todo o Nordeste oriental brasileiro (Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e leste do Ceará) tinha, como centro político e civilizatório, Pernambuco. Aliás, Recife, capital de Pernambuco, fora a capital do Brasil holandês.
É inegável a grande influência da lírica portuguesa (diria mesmo galego-portuguesa) no surgimento e desenvolvimento da poesia no Brasil literário e, notadamente, no Nordeste, principal herdeiro dessa notável vertente, que também se expressou e ainda se reproduz na oralidade dos “cantadores de viola” (verdadeiros aedos que no passado saíam, de cidade em cidade, a cantar seus romances) e no cordel, cujos folhetos traduzem não apenas o lirismo da alma popular, mas todo um conhecimento que remonta à Idade Média e à Antiguidade. Aí temos romances de amor, cavalaria, heroísmo e mitologia. Cordéis belíssimos tais como A História do Pavão Misterioso, A Verdadeira História do Herói João de Calais, Carlos Magno e os Doze Pares de França, dentre muitos outros, são verdadeiras obras-primas desse acervo maravilhoso que formou a alma lírica do Nordeste.
Nesse contexto, podemos dizer que um dos primeiros destaques da poesia potiguar foi Fabião das Queimadas (Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha, 1848-1928), “um escravo que cantava acompanhando-se de uma rabequinha” (no dizer de um amigo meu, o escritor Tarcísio Gurgel) e autor do Romance do Boi de Mão de Pau, com 48 estrofes. Mas nosso primeiro bardo de renome, contemporâneo de Nísia Floresta, também poeta, foi, sem dúvida, o natalense e árcade romântico Lourival Açucena (Joaquim Eduvirges de Mello Açucena, 1827-1907), cujos poemas foram reunidos após sua morte e publicados pelos amigos sob o título de homenagem Polianteia.
Assim, estão muito presentes em nossas origens, tanto em forma como em conteúdo, a sensibilidade galego-portuguesa de suas cantigas e a doçura de sua poesia. Tal estilo, combinando simplicidade, leveza e sonoridade, elementos tão caros à nossa tradição poética, insere-se nessa grande vertente lírica galego-portuguesa, que já fizera desse idioma, na Idade Média, o idioma culto da Península Ibérica, no qual se expressavam seus trovadores, e que influenciou e produziu, em tempos próximos e atuais, poetas de alta qualidade.
*HORÁCIO PAIVA, advogado e escritor