
Divulgação/Sony Pictures
Impacto do tempo
- Nelson Marques
GIRAMUNDO VIU Não dá para ficar indiferente a uma história que se propõe a observar um espaço definido (algumas vezes fixo, outras não), enquanto o tempo se manifesta ao seu redor. Infelizmente a atração formal (tempo-espaço, presente, passado e futuro) que atrai e encanta como premissa básica, peca e tropeça pela falta de uma narrativa com alma e calor humano.
Aqui (2024), direção de Robert Zemeckis, cujo último filme foi Pinocchio (2022), tem um roteiro criativo de Eric Roth – Assassinos da Lua das Flores (2023) –, Richard McGuire e do próprio Zemeckis. O filme conta com um bom elenco, encabeçado por Tom Hanks e Robin Wright, e mais Paul Bettany, Kelly Reilly, Ellis Grunsell e Teddy Russell.
O filme adota uma narrativa não linear que atravessa milhares de anos, mergulhando nas histórias dos habitantes de uma região, e posteriormente de uma casa, ao longo do tempo. Para tanto faz-se uso de telas subdivididas e de tecnologia de rejuvenescimento por IA, com destaque para Tom Hanks e Robin Wright, reunidos novamente após Forrest Gump – O Contador de Histórias (1994).
A atenção dada pela produção aos elementos técnicos é surpreendente e, exatamente por isso, ficamos à espera de algo mais no plano técnico mesmo, mas, ainda mais, nas emoções que deveriam estar presentes num mergulho tão profundo de vidas que se relacionam, se entrelaçam, e se extinguem.
A inovação visual que se superpõe na tela, no tempo e no espaço, ao mesmo tempo mantendo determinados pontos fixos, ligando histórias no tempo e no espaço frustram pela falta de alma narrativa, o tão falado e pouco exercido calor humano. Ficamos frustrados ao sermos “enganados” por um espetáculo técnico, visualmente brilhante, mas com poucos momentos de conexões genuinamente emocionais. O virtuosismo visual de Zemeckis parece engolir a própria narrativa, como se o filme estivesse mais preocupado em impressionar e dar coerência à sua não linearidade do que em criar personagens e situações que realmente importem na progressão e no todo da narrativa.
O próprio elenco, que conta com talentos indiscutíveis como Tom Hanks, Robin Wright e Paul Bettany, não encontra espaço para brilhar. O rejuvenescimento digital, embora impressionante, não compensa a falta de tratamento mais profundo para as performances. É como se os personagens fossem joguetes de luxo em uma tela que privilegia o artifício em detrimento da humanidade expressa pelo elenco.
Apesar de esteticamente marcante, o trabalho de Robert Zemeckis carece de fulgor narrativo, o que acaba comprometendo a força de sua proposta. A maior ironia do filme está justamente em sua premissa: uma reflexão sobre o impacto do tempo em um espaço único, que, paradoxalmente, ignora aquilo que deveria ser central – as histórias humanas que dão vida ao lugar.