Reprodução/Cacio Murilo/PBTur/Viagem em Pauta
Jampa é o alvo
- Heraldo Palmeira
Nos últimos tempos a mídia não para de bombardear João Pessoa (820 mil habitantes), a deliciosa capital da Paraíba, como próximo destino do turismo brasileiro. A resposta não demorou e a cidade começou a virar o novo paraíso dos endinheirados que chegam de fora. Investidores, aposentados de alta renda, empreendedores e outros bichos dessa fauna já estão provocando aquele frenesi que sempre aciona o sinal amarelo teimosamente ignorado enquanto é tempo: o boom imobiliário.
Desde que a indústria brasileira do turismo se espalhou para além do Rio de Janeiro, muitos movimentos migratórios ganharam corpo. Para variar, sem qualquer planejamento além do marketing frenético encarregado de divulgar a região escolhida pelo “famoso” trade – quase sempre um grupo com formação empírica que junta investidores em busca de filhotes para o próprio capital, empresários que guardam a palavra “gambiarra” em local nobre nos próprios manuais de atividades, políticos ávidos por votos fantasiados de benfeitores das sociedades que representam e burocratas oficiais prontos para impor um cipoal de regras absurdas que parecem criadas no Inferno.
Nesse cenário dantesco, os grandes prejudicados são sempre os mesmos. Os empreendedores sérios – sim, eles existem e estão vagando pelo ringue tentando escapar dos golpes baixos do cenário dominante. As populações nativas desses “destinos turísticos da moda”, que terminam empurradas para viver em locais distantes em razão da explosão do mercado imobiliário e da escalada geral de preços. A infraestrutura urbana antiga e sem capacidade para suportar um crescimento rápido e desordenado. O meio ambiente cuja carga de castigos será ampliada. E no final da linha, a qualidade de vida da população (antiga e nova) e o próprio turismo.
Não precisa fazer estudos profundos, basta puxar pela memória para lembrar o que aconteceu em Balneário Camboriú, Cabo Frio, Canoa Quebrada, Curitiba, Fernando de Noronha, Florianópolis, Fortaleza, Gramado, Ilhabela, Itaparica, Jericoacoara, Maceió, Morro de São Paulo, Natal, Ouro Preto, Pipa, São Miguel do Gostoso, Trancoso… depois do boom. A economia desses lugares cresceu? Claro! Mas, a que preço? Em alguns casos, coisas prosaicas como comprar pão se tornou uma aventura em filas na calçada da padaria ainda de madrugada, completadas por racionamento de água, quedas de energia elétrica, excesso de lixo, engarrafamentos infernais, prostituição, tráfico de drogas, violência urbana…
Em alguns lugarejos, onde travessias de balsas estão nos roteiros de lazer dos visitantes, os barqueiros pararam de cobrar tarifas dos moradores. Sim, os locais que atravessam diariamente as águas para trabalhar viajam de carona porque não têm dinheiro para bancar o patamar de preços imposto pelo turismo. Pelo menos, os laços ficam fortalecidos e a gentileza termina estabelecendo escambos em benefício de todos.
Hoje em dia, basta dar um pulinho até Santa Catarina e verificar que Balneário Camboriú (145 mil habitantes) e Itapema (68 mil habitantes) têm juntas nove dos dez prédios mais altos do país. O campeão dessa ostentação é o One Tower na imponência dos seus 290 metros e 84 andares à beira-mar. Na missão de arranhar o Céu, o prédio enfileira chão acima o tamanho de três campos de futebol e ocupa o posto de segundo mais alto da América do Sul. Até que o clube “o meu é maior que o seu” abra novamente os cofres e construa um monstrengo maior.
Uma conversa rápida com moradores antigos faz brotar revelações a respeito das agruras que tomaram conta dos seus paraísos originais, um problema que não é exclusividade de ninguém. Uma amiga do Giramundo moradora de Santa Catarina deu a medida da realidade: pesquisa recente mostrou que um dia de praia em Florianópolis com um mínimo de conforto chega facilmente a R$ 400 – estacionamento, sombrinha, cadeira, refeição, bebida –, o que obriga muita gente a levar seus itens de casa, inclusive as famigeradas caixas de som para tocar porcarias a toda altura. No fim do dia, deixam somente lixo amontoado na cidade, nenhum centavo nos caixas do comércio local e moradores irritados com a bagunça.
Jampa não deverá escapar desse cenário experimentado em todos os lugares que passaram pela mesma obsessão descontrolada dos operadores do turismo. É pena, vamos perder alguns encantos brejeiros originais de um lugar que vinha mantendo incontáveis conquistas coletivas. A mais visível está na orla urbana, onde o plano diretor mantém ainda baixo o gabarito de construções à beira-mar.
Como perfeição não existe, há cerca de duas décadas surgiram diversos monstrengos residenciais no Altiplano Cabo Branco, antes um reduto elevado de casas das pessoas mais endinheiradas. Mas o restante da cidade terminou administrando bem aquele ponto fora da curva, inclusive os vizinhos que seguem vivendo no casario intocado. Porém, o exemplo se espalhou para praias vizinhas, Cabedelo especialmente.
Perfil João Pessoa encanta com seu conjunto arquitetônico histórico, população acolhedora, artistas produzindo maravilhas e uma orla urbana de 24 km estendida por Cabo Branco, Manaíra, Tambaú e Bessa, águas mornas e cristalinas. Além da Ponta do Seixas – a parte mais oriental do continente americano – e a Lagoa na região central, que já viveu dias melhores. A capital é o ponto central do litoral paraibano, que está repleto de outras joias à beira-mar onde pontuam resquícios da arquitetura colonial e praias desertas.
O litoral norte (na direção do Rio Grande do Norte) oferece cenários listados dentre os mais bonitos da orla marítima do Estado. As praias mais conhecidas estão espalhadas pelas cidades de Cabedelo (a cidade faz divisa com João Pessoa, sedia o porto e, em razão da vizinhança da capital, tem as praias mais urbanizadas do Estado), Lucena, Baía da Traição e Mataraca.
Nesse mesmo lado do litoral existem 32 aldeias indígenas descendentes do povo potiguara, instaladas nos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. São cerca de 10 mil nativos que se dedicam a atividades de agricultura, pesca, artesanato e turismo.
O litoral sul (na direção de Pernambuco) tem seus points mais conhecidos nas cidades de Conde e Pitimbu. É famosa a chamada Costa do Conde, onde está a primeira praia dedicada ao naturismo no Nordeste. Um registro preocupante teve origem em pesquisa realizada pela UFPB, analisando dados desde 1985, que aponta a possibilidade de 12% do território de Conde ser coberto pelas águas geradas pelo aumento do nível do mar e a intensificação da erosão na zona costeira do município – um desastre que afetaria principalmente as praias de Coqueirinho e Tambaba.
Em qualquer ponto do litoral paraibano a gastronomia dá ênfase à culinária regional. O protagonismo dos frutos do mar é óbvio, especialmente os mariscos – seu cultivo representa um dos itens de grande importância da economia dessas populações.
História João Pessoa foi fundada em 5 de agosto de 1585. Um dado interessante é que uma das cidades mais antigas do Brasil surgiu de costas para o mar. Apesar de toda a beleza do litoral, os portugueses preferiram proteger a nova conquista mantendo-a por longo período isolada mais para dentro do território, na área rural às margens do rio Sanhauá, um dos principais afluentes do Paraíba.
Nos momentos iniciais, a foz do Sanhauá – que banha as cidades de Bayeux e Jampa – foi cercada pelo casario histórico e por dezenas de igrejas. O avanço na direção do areal e dos ventos do mar ocorreu somente a partir de 1940.
O rio do berço Mesmo com toda a devastação humana sobre o meio ambiente local, as margens do Sanhauá ainda preservam uma porção considerável de manguezais e muitas famílias das duas cidades utilizam o estuário para pesca, navegação e lazer.
Infelizmente, milhares de litros de esgoto – pela falta de saneamento básico – e lixo doméstico continuam sendo despejados nas margens do rio. E a situação já foi pior porque, durante 40 anos, funcionou ali perto o Lixão do Roger recebendo todos os dejetos da capital. Mesmo desativado em 2003, até hoje o chorume continua correndo para dentro do manguezal, dando contribuição expressiva para manter os índices de poluição das águas.
Sem fronteiras Num panorama que contém alguns pontos comuns, Portugal vivencia um momento delicado causado por esse tipo de invasão populacional, onde brasileiros têm grande participação (são 400 mil vivendo legalmente e sabe-se lá quantos sem documentação oficial) e já sentem os diversos dissabores que não param de surgir. O fato é que aquele país de 10 milhões de habitantes viu sua população aumentar vertiginosamente em cerca de 10%, com imigrantes chegando de diversos pontos do mundo, parte considerável com baixo poder aquisitivo e sem qualificação profissional adequada ao mercado.
Todo esse movimento começou com as campanhas divulgando o país como um ótimo lugar para passear e viver. É importante lembrar que toda a Europa tem enfrentado problema semelhante, inclusive pela grave questão das legiões de refugiados que tentam escapar dos mais diversos flagelos em seus lugares de origem – pobreza, tirania, guerra. Primeiros efeitos práticos: crise habitacional, subemprego, choque cultural…