Por Heraldo Palmeira
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3 de dezembro de 2024

KALUNGA MELLO NEVES Sessão de terapia

NickyPe/Pixabay

Sessão de terapia

  • Kalunga Mello Neves

Só pode ser nos anos de agora. Todo mundo louco, como já vaticinava Sílvio Brito há dez mil anos atrás. Sento-me no divã forrado de almofadas rosas, fixo meu olhar nas invisíveis gaivotas que adornam o teto e voam ao redor da imensa lamparina repleta de lâmpadas queimadas.

Vim aqui por indicação de um amigo meu, como diria Belchior. Não tenho problemas, dilemas poucos me atormentam. Crises? Sei a dos outros. Mas vim para dar satisfação a quem me vê imperfeito. Inclusive estou faltando à reunião dos PM (Perfect Men) de hoje à noite para estar aqui neste divã. Pode?

Bem, vou começar, doutor. Dá licença? Meus sonhos envolvem precipícios assustadores, longas estradas planas e a candidez de uma missa das dez em campo aberto. Detesto pensar em cobras quando em transe. Já matei, já morri, sinceramente prefiro o primeiro. O feminicídio me preocupa, me inquieta a flacidez judiciária nestes crimes. Acordo suando e contente quando vejo de longe um estuprador sendo enforcado, quem maltrata mulher arrastado para guilhotina. Em sonho, é claro.

Não sei explicar o jeito que gosto da minha mãe. Não sei definir o amor. Prefiro abraçar bem forte uma pessoa, do que dizer a ela “eu te amo”. Não sei mentir, mas “não fui eu” digo a toda hora. Estar errado ou estar certo não depende de mim, mas sim de minhas circunstâncias, né?

Já terminou a sessão, doutor? Passou rápido. Você está com os olhos vermelhos e inchados. E com uma cara de louco. Desculpa, doutor, deve ser impressão minha.

*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante

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