Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Lenga-lenga

Aaronjbutler/Pixabay

Lenga-lenga

  • Heraldo Palmeira

Os desastres recentes – e todos os vexames desde o pentacampeonato de 2002 – da Selecinha. A completa desmoralização da CBF, que teve todos os presidentes desde Ricardo Teixeira com passagens pela Justiça, alguns expandindo para temporadas no xilindró. A bagunça do calendário, inclusive mantendo o Brasileirão durante a Copa América. O péssimo estado dos gramados. A quantidade de lesões em jogadores. As arbitragens vergonhosas. As lambanças do VAR e sua tecnologia defasada. O comportamento regularmente descontrolado e a impunidade de alguns atletas e comissões técnicas. A violência dentro e fora de campo. A virulência e a falta de noção das torcidas organizadas. A administração caótica da maioria dos clubes.

Apesar desse verdadeiro rosário de mazelas, nada tem força suficiente para permanecer disputando a pauta que deveria ocupar o campeonato de notícias do nosso jornalismo esportivo. Apenas quando algo muito fora da curva acontece é que um desses pontos volta ao noticiário, com prevalência para arbitragens, reclamações, indisciplinas, acusações, maledicências.

Não há muito o que esperar do futebol brasileiro quando sua vexaminosa situação desperta menos interesse do que o aparente fim das relações profissionais entre clubes e jogadores. Na falta de assunto melhor, a crônica esportiva entrou numa ladainha enfadonha que apenas demonstra como estamos malparados no ambiente do nosso esporte mais popular. Numa situação de simples relação contratual, muitos insistem em inserir um tal “amor à camisa” que saiu de cena há décadas, inclusive porque não há qualquer reciprocidade de clubes para jogadores. Qual a dificuldade de compreender que o futebol virou apenas mais um grande negócio, onde cada lado defende seus interesses da melhor maneira dentro de cada contexto?

O problema é que existe um endeusamento insano. Basta pensar que não são poucos na crônica esportiva que insistem em tratar Gabriel Barbosa como o nome mais importante da história do Flamengo depois de Zico. Jesus! A lista de verdadeiros ídolos é imensa.

Dizer que Gabigol é um sujeito de muita sorte pelos dois gols decisivos numa final de Libertadores já está de bom tamanho. Tanto que, desde 2022, não tem qualquer significância para o time, embora muitos atribuam seu sumiço de campo à chegada do técnico Tite, que não teria simpatias por ele. Uma inverdade pachequista, o treinador chegou ao clube em outubro de 2023.

Um amigo, em recente mesa de bar, foi preciso a respeito. Desafiou qualquer um a mostrar algum vídeo com um gol sequer de Gabigol contendo um mínimo lampejo de craque. Silêncio absoluto entre todos. E ele completou: “Até o Fio Maravilha tem, tá na música do Benjor”. Diante de tamanha verdade, instalou-se aquela angústia de goleiro na hora do gol, como na música de Belchior.

Na verdade, endeusar é um dos grandes desserviços da nossa mídia, prática nefasta que gera uma impressionante linha de produção de gatos por lebres em diversos setores. Talvez seduzidos por cifras que jamais terão sequer aproximação, muitos analistas levam dribles de figuras comuns que entram no mundo dos grandes contratos. Os tais influencers estão aí para comprovar.

No futebol, o primeiro passo dessa liturgia nefasta é uma espécie de salto triplo: chamar de “menino”, considerar “craque” e decretar a condição de “joia”. Na outra ponta, quase sempre, meninos vindos de famílias em risco social, com baixíssimo grau de instrução e presas fáceis para o encantamento trazido por fama e dinheiro repentinos, muitas campanhas de publicidade, direitos de imagem e bajulações. Toda essa metamorfose construída com o auxílio luxuoso de empresários e assessores muito bem comissionados, porque ninguém joga por amor à camisa. Muito menos as loiras de farmácia ou morenas tropicanas, todas esculturais, que surgem buliçosas por todos os lados, algumas vorazes.

Mesmo com tantos exemplos anteriores caídos no esquecimento, o ano de 2024 deveria funcionar como um sinal de alerta. Neste momento, temos dois exemplos claros de “joias” chacoalhando na prateleira das bijuterias – um ambiente cinzento, constrangedor e que pode, muito antes da hora, impor um frustrante choque de realidade.

Contratado pelo Barcelona, Vitor Roque saiu do Athletico Paranaense com todos os rapapés das imprensas brasileira e espanhola, convencido de que a Catalunha seria seu Olimpo imediato. Na verdade, até agora o Tigrinho não passou de um gato manso e deverá ser anunciado pelo Betis nas próximas horas, por empréstimo – pelo menos, não foi vendido ao Sporting português, sinal de que o Barça ainda acredita no futuro. Tomara que reencontre logo a bola.

Incensado como um novo Pelé – ninguém desiste! –, Endrick deixou o Palmeiras certo de que o Real Madrid estava à sua altura. Esqueceram de contar ao garoto da gola rulê que aquilo não é o Palmeiras rindo à toa com o caminhão de grana que sua venda trouxe para os cofres, muito menos a casa da mãe Joana da CBF. É um lugar onde até o mimado Mbappé vai ouvir “não”, e o primeiro já foi dado por Carlo Ancelotti quando a estrela quis virar cobrador oficial de faltas e pênaltis e recebeu um distinto “vá treinar primeiro”.

Alguém precisa avisar ao garoto que Rodrygo, com 218 jogos pelo Real e mesmo sendo titular, foi convidado a sossegar o facho quando decidiu requerer espaço e incluir seu “R” na sigla BMV (Bellingham, Mbappé e Vini Jr.).

Endrick também precisa segurar a boquinha deslumbrada para não enfileirar bobagens. Afinal, já virou piada ao afirmar, depois do gol em Wembley (pela Seleção), que o semideus do futebol inglês Bob Charlton era seu ídolo de infância. E comprou briga gratuita ao declarar que Bellingham é melhor do que Neymar – imagine o quiproquó no reino da neymardependência!

Com a vida arrumada para o resto da vida, resta alguém lembrar à “joia” que é preciso menos gola e mais bola, como escreveu Joaquim Ferreira dos Santos, um raro jornalista do nosso jornalismo. É a única saída para escapar da suspeita “nem tudo que reluz é ouro” e de um empréstimo de consolação para um clube menor.

O próximo da lista de atenção é Estevão, já vendido para o Chelsea. Por ora, em razão do aparente esgotamento do modelo Abel Ferreira – a própria presidente já veio a público dizer que ninguém ganha sempre – o jogador começa a ter que carregar o Palmeiras nas costas. O que não é pouco, mas passa longe de garantir o estrelato na Premier League.

É preciso evitar o imediatismo que se coloca na cabeça desses meninos, como se o novo contrato fosse o ponto final da mudança. Os próprios clubes vendedores, até por gratidão pela dinheirama recebida, deveriam orientá-los corretamente, inclusive sobre a questão da mentalidade diferente e do nível de cobrança que enfrentarão nesses outros países onde vão jogar. Fundamental explicar que por lá não conta o arcaico paternalismo tupiniquim. Certamente ajudaria talentos muito promissores como Vitor Roque e Endrick a virar a chave e desabrochar para a maturidade.

É indispensável lembrar a esses meninos algo que conhecem bem: o futebol virou uma válvula de escape para muitas famílias, que enfiam seus garotinhos em escolinhas quando mal aprenderam a falar. Ou seja, é preciso trabalhar duro porque a concorrência é imensa e a fonte de novos talentos é perene. Talvez seja a hora de inserir, na trilha sonora daqueles fones descomunais com a letra “b”, Os Titãs cantando A melhor banda de todos os tempos da última semana.

Semana que vem tem mais!

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