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Mentira: incoerência da verdade
- Kalunga Mello Neves
A coerência, enquanto virtude – como diriam pernósticos e deslumbrados linguistas (este “enquanto” é cruel!) – está agonizando diante de novas eras e recentes comportamentos. Perdeu o charme egocêntrico de ser uma qualidade, passando agora a ter um valor meramente simbólico só a aquiescer às tomadas intempestivas de decisões da nossa consciência.
Não podemos, realmente, afiançar nossa convicção diante de tantas indefinições ideológicas e morais que nos cercam, expondo nossas ideias e pensamentos a uma crise existencial sem precedentes, isso não querendo ser alarmista. Resumindo, hoje ser coerente é andar na contramão do que significa andar na contramão, como talvez dissesse Caetano Veloso. Ou não!
Vamos à mentira? Sempre achei a mentira não tão vilã como queriam que fosse. Quando o pecado ditava a moda, aí sim, convenhamos, ela estava em baixa. A verdade sobressaía, queridinha da vez, bem-comportada, essencialmente confiável.
Mas não há nada ou tudo que dure para sempre. O comunicar sem filtros da mídia virtual, a liberalidade parcial da imprensa, a diversidade e seus princípios festivamente defendidos, em alguns casos, contribuiu para o surgimento de novas regras a pautar nossa aceitação e respeito à opinião alheia.
Chegamos em época de ascensão meteórica da mentira, que a todos deixa apreensivos e condicionados a seguir em frente, apoiados fragilmente em nossa verdade desfigurada e inconfiável. Os políticos dizem, no alto de sua ardilosa sabedoria, que uma mentira dita repetidas vezes se torna uma verdade inquestionável. Os poetas, em sua ébria e alienada lucidez, versejam que a mentira é uma verdade que ainda não foi dita. E o prazer transgressivo que a mentira bem argumentada nos causa, confessemos, é de provocar admiração momentânea por quem a diz.
Queda da coerência, mentira em alta. E o que mais? A minha conclusão, aberta a contestação, é de que a mentira é a incoerência da verdade, assim como o pessimista é um otimista amargurado. Mas, isso é prosa para um outro dia.
*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante