Reprodução/Placar (Aurelien Meunier/Getty Images)
O canto do cisne?
- Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli
Era 2005. Enquanto o Brasil ainda vivia empolgado com o futebol praticado pelo time pentacampeão de 2002, a imprensa especializada europeia já chamavam a atenção para o surgimento de um novo fenômeno no futebol mundial: um pequeno argentino, Lionel Messi, do Barcelona. Por isso mesmo, criou-se enorme expectativa para os jogos do Mundial Sub-20, realizado na Holanda. E ninguém se decepcionou. “La Pulga”, como Messi sempre foi carinhosamente chamado por seus compatriotas, deitou e rolou. Secundado por outros jovens que também fizeram ótimas carreiras nos anos seguintes – Ustari, Zabaleta, Garay, Paletta, Gago, Biglia e Kun Agüero – ele conduziu os platinos ao título. De quebra, foi artilheiro da competição (Chuteira de Ouro), melhor jogador e Golden Boy (eleito pela FIFA o jovem mais promissor do mundo naquele ano).
Incorporado de vez à equipe principal do Barcelona, tornou-se um voraz conquistador de títulos e prêmios individuais. Ganhou a titularidade durante a temporada 2008/2009 substituindo o ídolo Ronaldinho Gaúcho, para só se despedir da Catalunha em 2021, meio a contragosto, quando deixou os blaugranas contratado pelo PSG. Durante sua passagem pela Espanha, conquistou 10 campeonatos nacionais (La Liga), 7 Copas do Rey, 8 Supercopas da Espanha e, em nível internacional, 4 Champions League e 3 Mundiais da FIFA. Foi artilheiro e melhor jogador na maioria dessas competições, além de estar sempre nos times ideais escolhidos pela imprensa. As Bolas de Ouro como craque do ano se acumulavam, tornando-o recordista do troféu ao lado de Pelé.
Entretanto, sua carreira pela seleção argentina parecia não decolar. Com exceção das Olimpíadas de 2008, em Pequim, quando liderou um timaço dos hermanos ao título, ao lado de Riquelme, o eterno parceiro Di Maria, Romero, Banega e Mascherano, colecionou decepções e foi constantemente criticado pelos jornalistas e – disparate! – até mesmo vaiado por torcedores passionais de seu país natal. Viam nele um “catalão”, sendo invariavelmente comparado com o “nacional” Maradona, ídolo, craque, considerado um vingador, o gênio exterminador dos ingleses e uma espécie de semideus argentino. A coisa chegou ao ponto de Messi ter seu futebol questionado em casa.
Os fracassos nas competições que disputava com La Albiceleste se acumulavam. Esteve como reserva na Copa do Mundo da Alemanha (2006), caindo nas quartas de final para os anfitriões, nos pênaltis, após 1×1. Em 2010, na África do Sul, foi novamente eliminado pelos germânicos após um acachapante 4×1, com Maradona de técnico – o velho ídolo não poupou críticas a Messi. Em 2014, chegou ao vice-campeonato no Brasil, derrotado mais uma vez pelos alemães, desta vez na final, por 1×0 na prorrogação, após ter perdido claríssima chance de gol que poderia finalmente dar o campeonato aos argentinos. E em 2018, na Rússia, estava no time batido pelos franceses de Mbappé e companhia, num eletrizante 4×3.
O mesmo acontecia nas Copas América que disputou. Foi vice para o Brasil, na Venezuela (2007). Caiu nas quartas para o Uruguai, em plena Buenos Aires (2011). Foi vice novamente no Chile (2015) e na Copa América Centenário, nos EUA (2016). Nestas duas competições foi derrotado pelos chilenos – na última, desperdiçou sua cobrança na decisão por pênaltis.
Parecia uma sina pessoal sem fim, enquanto a Argentina não vencia nenhum torneio internacional relevante desde 1993 (Copa América). Messi estava tão desanimado com sua história na seleção que, em mais de uma ocasião, anunciou seu desligamento definitivo do time.
Após a campanha na Rússia (2018), uma mudança drástica no modelo de gestão da seleção argentina levou o quase desconhecido Lionel Scaloni para o posto de treinador. E ele, ex-jogador do próprio selecionado, companheiro de Messi na Copa da Alemanha (2006), convenceu o craque a mudar de ideia, inclusive modificando taticamente o time para dar liberdade ao gênio. O elenco foi muito renovado e o time platino, já na Copa América no Brasil (2019), chegou à semifinal, quando foi muito prejudicado pelo árbitro e perdeu do Brasil por 2×0. Mas era visível que o time tinha uma cara nova.
Em 2021, Messi deixou o Barcelona numa transferência milionária para o PSG. Conquistou pelo time de Paris uma Copa da França e um campeonato nacional. E, finalmente, desencantou pela seleção. De julho de 2019 até a estreia na Copa do Catar (2022) – quando a Argentina foi surpreendentemente batida pela Arábia Saudita por 2×1 –, ele e seus companheiros ficaram invictos por 36 jogos consecutivos em torneios oficiais e amistosos. Nesse período em que o craque brilhou intensamente, os hermanos derrotaram o Brasil no Maracanã por 1×0 (final da Copa América 2021) e a Itália por 3×0 em Wembley (Copa Intercontinental). A consagração final veio com as maravilhosas exibições no Catar, em especial na decisão sensacional (3×3 e vitória nos pênaltis) sobre a França, que deu aos argentinos o tão sonhado tricampeonato mundial.
Segunda-feira (27/02), foi emocionante ver Lionel Messi receber mais um merecido título de melhor jogador de futebol do mundo. Embora essa premiação tenha ficado um tanto confusa – existem hoje três prêmios similares: revista France Football (desde 1956), revista World Soccer (desde 1982) e FIFA (desde 2016) –, o gênio argentino está acima dessas disputas e faturou seu 14º título de maioral da bola numa temporada.
Para ninguém perder a conta, Messi ganhou 7 vezes a Bolas de Ouro (2009, 2010, 2011, 2012, 2015, 2019 e 2021), 5 vezes o Jogador do Ano (2009, 2011, 2012, 2015 e 2019) e 2 vezes o The Best FIFA Football Awards (2019 e 2022).
A festa, muito bonita, homenageou o Rei Pelé, que por mais de 20 minutos teve seus lances geniais mostrados no telão hipnotizando a plateia. Foi uma conquista individual do argentino Messi, não do catalão Messi que conquistara os prêmios anteriores. O menino simples de Rosário, que chegou ao ápice de sua vitoriosa carreira sempre mantendo discrição na vida pessoal, longe de escândalos, falando pouco e jogando muita bola.
Há quem considere este troféu The Best entregue agora o canto do cisne de Lionel Messi no futebol de alto nível, mas é recomendado não fechar questão por enquanto. Basta lembrar da Copa do Catar. O fato é que ele ainda segue como jogador decisivo e anos-luz à frente dos outros craques em ação pelo mundo. Quem sabe, ainda neste contrato com o PSG – que vai até junho/2023 – ele consiga conquistar uma inédita Champions, sonho de consumo dos xeiques que investiram muitos milhões de euros para montar o super ataque Messi-Mbappé-Neymar?
Desde o fim da Copa 2022 começaram a circular rumores dando conta de que o PSG prepara uma “proposta de campeão do mundo” para a renovação do contrato. Estariam pendentes apenas a duração do novo vínculo e as cifras envolvidas. Um grande trunfo é que Messi está feliz em Paris, deseja continuar no time e sua família se adaptou perfeitamente à vida na capital francesa.
Quanto seu outono profissional chegar, não será surpresa ver La Pulga repetir os passos de Pelé e ir desfilar sua categoria lendária no futebol dos EUA, algo que vem sendo especulado há algum tempo. Ou repetir seu grande rival Cristiano Ronaldo e sucumbir à montanha de petrodólares dos árabes. Afinal, Messi também é eterno!
História Num esporte fascinante que ao longo do tempo foi ficando mais e mais globalizado e enfeitado por cifras milionárias, nada mais normal do que premiar seus melhores profissionais.
A revista francesa France Football instituiu o prêmio Ballon d’Or (Bola de Ouro) em 1956, destinado a premiar apenas jogadores nascidos na Europa – os ganhadores eram denominados “Futebolista Europeu do Ano”. A escolha exclusiva de craques do Velho Continente durou até 1994. Os argentinos Di Stéfano e Omar Sivori e o moçambicano Eusébio tinham cidadania europeia quando foram eleitos.
A premiação serviu de inspiração direta para que o jornalista franco-brasileiro Michel Laurence, um dos fundadores da revista brasileira Placar, criasse em parceria com o fotógrafo Manoel Motta o troféu Bola de Prata para escolher os melhores jogadores (em cada posição) da temporada nacional.
Em 1995, o liberiano George Weah – atual presidente do país – foi o primeiro cidadão não europeu a ganhar a Bola de Ouro. Dali até 2006 a premiação desconsiderou nacionalidades, mas seguiu destinada apenas a jogadores que atuassem na Europa. Somente a partir de 2007 ela passou a incluir na lista de concorrentes atletas atuando em qualquer lugar do mundo.
A France Football e a FIFA assinaram parceria para unificar a premiação, que passou a se chamar FIFA Ballon d’Or. O acordo permaneceu por 6 certames (2010 a 2015) e, desde 2016, existem duas premiações: Ballon d’Or e The Best FIFA Football Awards.
Em 2014, a France Football revisou toda sua lista de premiados e estendeu seu troféu a outros países. Assim, Pelé foi finalmente reconhecido craque do ano em 1958, 1959, 1960, 1961, 1963, 1965 e 1970, passando a liderar o ranking ao lado de Messi com 7 títulos. Além dele, Garrincha (1962), Kempes (1978), Maradona (1986 e 1990) e Romário (1994) foram incluídos no grupo de premiados.
Alguns puristas consideram que Pelé lidera sozinho porque ganhou todos os troféus apenas pelo sistema de escolha independente da revista France Football, sem qualquer interferência da FIFA. Ao contrário de Messi, que tem 4 conquistas no tempo em que a entidade fazia parte do comando da premiação (2010 a 2015) – no período, os outros dois foram para Cristiano Ronaldo.
Há um terceiro prêmio de reconhecida importância internacional denominado Jogador do Ano. Foi instituído em 1982 pela World Soccer, revista publicada no Reino Unido e considerada uma das melhores do mundo sobre futebol. No mesmo certame anual, aberto a profissionais de todo o planeta, também são escolhidos técnico, equipe, jogadora, jogador jovem e árbitro do ano
Por todas as razões mais óbvias, os prêmios continuam entregues a jogadores que atuam na Europa. A única exceção coube a Zico, que ganhou o prêmio da World Soccer em 1983 jogando parte da temporada pelo Flamengo (Brasil) e pela Udinese (Itália). Muito provavelmente, sua presença em campos italianos é que lhe garantiram o troféu.
Alvo de críticas desde sua criação (2016) pelos critérios de escolha, o The Best FIFA Football Awards não escapou de polêmica nesta última edição. De acordo com a imprensa espanhola, o Real Madrid resolveu boicotar a cerimônia de entrega dos prêmios e não enviou seus jogadores por duas razões:
- Mudança de formato: antes, a premiação analisava a temporada europeia, mas agora considerou também o resto do ano de 2022 para incluir a Copa do Catar. Na avaliação dos madrilenhos, essa prorrogação poderia prejudicar jogadores que não participaram ou foram desclassificados do Mundial. Sem contar que todas as demais atividades do futebol estavam suspensas no período, prejudicando muitos concorrentes ao prêmio.
- Exclusão: o time merengue também protestou pela não inclusão de Vinícius Jr. na lista de selecionáveis ao prêmio, mesmo que ele tenha sido um dos principais jogadores das duas últimas temporadas europeias – é de estranhar que Cristiano Ronaldo, que viveu um dos piores momentos da carreira, tenha sido incluído.