Tim Kawasaki – montagem (Lennart Demes/Pixabay + Reprodução/Instagram)
O enigma Musk
- Heraldo Palmeira
Mal o século 21 invadiu o calendário, desembarcou junto um protagonista para o mundo da tecnologia e das fortunas impressionantes: o sul-africano detentor de cidadanias canadense e norte-americana Elon Reeve Musk. Dotado de uma mente brilhante, ele já ocupou o posto de homem mais rico do planeta, quando seu patrimônio alcançou US$ 219 bilhões (R$ 1,09 trilhões), mas hoje está “um pouco mais pobre” com US$ 167 bilhões (R$ 833,33 bilhões).
Sua explosão midiática se deu a bordo da Tesla, uma empresa que ganhou espaço ao encantar figurinhas carimbadas de Hollywood, do jet set internacional e do mondanité com seus carros elétricos para os muito ricos e discurso com o viés ambiental da energia limpa.
Outro momento de superexposição se deu durante uma operação cheia de idas e vindas que se estendeu de abril a outubro de 2022, quando assumiu o controle total da rede social Twitter, uma transação da ordem de US$ 44 bilhões (R$ 219,56 bilhões). Entretanto, seus métodos administrativos colocaram a empresa de ponta-cabeça e a rota segue bastante confusa.
Musk construiu sua trajetória com a criação de empreendimentos ousados e inovadores como Global Link, (depois rebatizada Zip2), PayPal, Boring, Neuralink, SpaceX, Tesla, OpenAI e Twitter (agora denominado XCorp). O ímpeto empresarial e a visão futurista passaram a ser associados à sua megalomania e ego descomunal. Seus críticos – não são poucos – o consideram alguém metido a dono da verdade, com sérios delírios de dominação e dinheiro suficiente para querer sempre mais, sem ênfase em mitigar estragos.
As últimas semanas não parecem exatamente positivas para o bilionário que vive testando limites. Seus movimentos começam a cobrar um preço bastante alto e afetar os negócios. Sua joia da coroa, a Tesla – que continua sendo seu principal empreendimento, avaliado em US$ 514 bilhões (R$ 2,56 trilhões) –, bem como o Twitter, recém incorporado ao império, acumulam prejuízos em seus balanços e agora lançam preocupação aos acionistas.
Se esses problemas não bastassem, o quadro ganhou um efeito especial inesperado: as imagens do veículo espacial Starship, da SpaceX, se espatifando no ar pouco depois de deixar a base de lançamento em missão da NASA, depois de falha operacional do foguete propulsor Super Heavy.
A aproximação com a NASA parece corroborar que há algo além de pesquisa e negócios, já que o empresário não esconde que pretende “espalhar a civilização humana pelo espaço” e explorar os minerais que estariam na composição do asteroide metálico 16 Psyche, que orbita o Sol entre Marte e Júpiter.
As pesquisas iniciais desse corpo celeste apontam para uma riqueza capaz de atingir tal patamar, que gerou especulações fortes no mercado financeiro: praticamente retiraria o valor comercial do ouro existente na Terra e seu papel milenar de lastro da economia mundial. A exploração da jazida existente no 16 Psyche favoreceria a valorização das criptomoedas defendidas por Musk e poderia trazer uma montanha sideral de dinheiro novo em sua direção.
A agência espacial norte-americana já anunciou oficialmente que a missão Psyche deverá levantar voo em 1 de outubro deste ano, inaugurando a mineração espacial com uma sonda impulsionada pelo foguete Falcon Heavy, da SpaceX.
Viagem à Lua A explosão da Starship lançou uma nuvem de dúvidas a respeito da capacidade de a SpaceX atender a todos os requisitos do projeto, num contrato de US$ 3 bilhões (R$ 14,9 bilhões). Afinal, é a mais poderosa espaçonave já lançada, escolhida para levar dois astronautas à Lua na missão Artemis III, prevista para 2025
Até a viagem, a SpaceX terá de tornar realidade itens que permanecem na ficção científica, como a construção de um posto de abastecimento estacionado na órbita terrestre para que a Starship possa reabastecer nos trajetos de ida e volta da viagem à Lua. Antes, uma frota de naves-tanque deverá transportar o combustível para esse depósito espacial. Além disso, os astronautas da NASA só embarcarão para o espaço depois que a empresa de Musk realizar pelo menos uma missão não tripulada para pousar a espaçonave na superfície lunar e trazê-la de volta à Terra em segurança.
Voltando ao chão firme da realidade, diante das reclamações das concorrentes Blue Origin, de Jeff Bezos, e Dynetics, descartadas pela NASA da concorrência que beneficiou a SpaceX no projeto Artemis III, o Senado norte-americano instruiu a agência a escolher, ainda em 2023, uma segunda empresa para participar da missão.
História Nascido em 1971, Elon Musk é um programador autodidata. Quando ainda vivia na cidade natal Pretória fechou seu primeiro negócio, aos 12 anos: escreveu o código de um videogame e vendeu para a revista PC and Office Technology, faturando US$ 500 (R$ 2,49 mil). Aos 17 já estava morando no Canadá, trabalhando em serviços braçais para se manter. Quando entrou para a Queen’s University, passou a vender componentes e computadores montados para os colegas. Logo atravessou a fronteira para os EUA e foi estudar na Universidade da Pensilvânia, onde concluiu os cursos de economia e física com resultados que lhe credenciaram para um doutorado em Stanford.
Interrompeu os estudos para fundar com o irmão Kimbal e Greg Kouri a Global Link (depois rebatizada Zip2), que produzia guias de cidades para jornais e viabilizava conexão entre anunciantes e usuários. Com capital de US$ 28 mil (R$ 139,7 mil) obtidos entre os sócios e num empréstimo bancário – a versão de que o pai dos Musk havia financiado o empreendimento foi desmentida depois –, criaram um sucesso vendido em 1999 por US$ 307 milhões (R$ 1,53 bilhão). A parte que coube a Musk nessa venda foi de US$ 22 milhões (R$ 109,78 milhões) e ele investiu mais da metade para se tornar cofundador da X.com, serviço de pagamentos on-line. Logo em seguida, veio a fusão com sua principal rival de mercado, dando origem ao PayPal, tendo Musk como acionista majoritário.
O sul-africano despontou para os grandes negócios trilhando o mundo digital, quando vendeu a PayPal para o eBay, em 2002, forrando o bolso com US$ 180 milhões (R$ 898,2 milhões). Investiu US$ 100 milhões (R$ 499 milhões) para fundar a SpaceX e no ano seguinte tornou-se cofundador da Tesla.
Musk é pai de muitos filhos com diversas mulheres – há listas que apontam 10, outras, 11 rebentos reconhecidos. O primeiro morreu aos 10 meses, vítima da Síndrome da Morte Súbita do Lactente (SMLS). Nessa penca de crias há dois casos de gêmeos e um de trigêmeos e nomes esquisitos (há um menino conhecido por “X” e uma menina conhecida por “Y”, impedidos de obter registros civis em razão dos nomes incomuns). Uma de suas filhas, que é trans, resolveu cortar relações motivada por antigas declarações transfóbicas do empresário e alegou “respeito à minha identidade de gênero e o fato de que eu não mais vivo nem desejo ter qualquer relação com meu pai biológico”. O bilionário diz que pretende continuar procriando para povoar o mundo e, ao criar a SpaceX, inseriu nela o plano ambicioso de espalhar a civilização humana pelo espaço.
Não bastassem os filhos assumidos, vez por outra aparecem rumores de outros não reconhecidos legalmente. O caso mais rumoroso deu-se com a atriz Amber Heard e o assunto esteve presente no complicadíssimo divórcio dela com John Deep – o ator questionou a paternidade da filha, suspeitando que o pai biológico fosse Musk.
Embora seja um bicho digital e se valha da superexposição midiática, Elon Musk mantém seus filhos à distância do ativismo digital e dos holofotes, no melhor estilo “quem não te conhece que te compre”.
Nota da Redação: No ambiente científico especula-se que o asteroide 16 Psyche, pela composição metálica onde predominam ferro e níquel – diferente da maioria composta de rocha e gelo –, seja parte que se desprendeu do núcleo de um planeta desconhecido, já que a incidência de minérios se dá normalmente em camadas mais profundas e próximas da parte central das estruturas planetárias. Fora a natural curiosidade científica envolvida, a revista Fordes deu a letra que move a exploração: nos 226 km de largura do corpo celeste estaria guardado um tesouro mineral avaliado em US$ 10 quatrilhões, uma extravagância numérica formada pelo 10 seguido de 18 zeros (10.000.000.000.000.000.000)! Simplesmente o PIB brasileiro de 2021 multiplicado por 5 mil.