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O jogo da Amarelinha
- Heraldo Palmeira
A Copa América terminou para o Brasil com uma certeza: foi uma pá de cal para uma cada vez mais convicta e naufragada Selecinha. O Panamá… O Panamá que é o Panamá fez mais gols do que o “país do futebol” no torneio! Conseguimos empatar com a Costa Rica… A Costa Rica que é a Costa Rica! E ainda sofrer um abafa deles. E botamos a viola no saco para aceitar que Colômbia e Venezuela jogaram muito mais do que nós. Mais uma vez, a Amarelinha amarelou. Estamos diante da maior crise do nosso futebol, com justiça. Pelo simples fato de que ela não é cíclica. É crônica.
O ex-técnico Muricy Ramalho já havia decretado “A bola pune”. Ainda mais a falta dela. De repente, a mal explicada campanha de marketing embalada por Ronaldinho Gaúcho ganhou ares de verdade: “Falta amor à camisa, falta garra e o mais importante de tudo: futebol. Repito: nosso desempenho tem sido uma das piores coisas que já vi. Uma vergonha. Por isso, declaro aqui o meu abandono”. Não por acaso virou mantra da indignação da torcida nas redes sociais, que vai abandonando a Seleção por esgotamento e cansada de passar vergonha.
Como diziam os cronistas antigos, temos um verdadeiro “bumba meu boi” em campo, sem qualquer esquema tático, jogando a chutões para frente, sem inspiração, sem coisa nenhuma. Jogadores que atuam com reconhecida competência nos maiores clubes do mundo, parecem zumbis de si mesmos quando vestem a Amarelinha.
Ontem (6/7), o Uruguai entrou em campo para truncar, catimbar, intimidar e teve sucesso absoluto. Sim, todos os nossos adversários trabalham em cima da nova característica indisfarçável da Selecinha: o desequilíbrio emocional. Ora, passamos 22 minutos de um jogo decisivo com um jogador a mais e não conseguimos fazer nada com essa vantagem, que se torna ainda maior num jogo pegado como aquele. Ao fim, despencamos nos pênaltis. As duas cobranças perdidas, por um titular absoluto e um ilustre desconhecido, traduziram nosso estado mental, o trapo que nos tornamos diante de qualquer pressão. A começar pelo técnico, que se manteve à distância ou foi mantido fora da roda de jogadores no momento das cobranças, e delegou ao filho Lucas Silvestre – essa doce moda de meritocracia nepotista com filho virando auxiliar técnico – a organização da lista de cobradores. Cada um por si e Deus, que não é besta, passando longe.
Depois de uma campanha horrorosa, ainda temos gente na mídia pacheca dizendo que Dorival Júnior terminou o torneio invicto. Caraca! Na verdade, nosso técnico demonstrou seu provincianismo, suas limitações, a incapacidade de acompanhar a modernidade do futebol internacional e tomar providências durante as partidas quando as coisas não estão indo bem. Não passa de um bom profissional para a comida caseira que rola nos gramados brasileiros, e olhe lá. Agora, talvez se tenha uma ideia dos motivos que levaram o Flamengo a agradecer ao seu técnico “vencedor” e partir para outra, quando a bagunça dominava seus vestiários.
Na verdade, não temos mais alternativas de treinadores nacionais, experimentamos tudo e deu no que deu. Não dá mais para disfarçar que estamos completamente defasados em relação ao que está acontecendo nas principais ligas. Talvez Abel Ferreira seja a única alternativa presente em nossas fronteiras.
Ninguém aguenta mais esse mimimi com qualquer jogador que tem um lampejo de destaque e começa a ser tratado pelo maçante “joia”, como se fosse a última maravilha do mundo. Endrick, que já foi estupidamente comparado a Pelé (!) por causa de um gol em amistoso, é o novo exemplo. Depois de balançar a rede de Wembley, o coitado apareceu falando de Sir Bobby Charlton, alguém que certamente ele não faz a menor ideia de quem foi – basta ver um vídeo que está num desses canais das redes sociais do Palmeiras, onde sequer consegue lembrar dos seus primeiros momentos no Palestra.
Esse garoto precisa ser libertado de tanto exagero ao redor do seu nome, pois poderá ser desperdiçado se alguém não chegar logo na orelha dele avisando que aquela gola de camisa levantada é somente a frescura que está enchendo sua cabecinha de vento neste minuto. Precisa tratar de jogar futebol antes que seja tarde e vire apenas mais um novo “menino” que nunca cresce – e muita gente criticou Abel quando ele recomendou Disneylândia. Por sorte, a partir de agora estará debaixo das ordens de Carlo Ancelotti, o mesmo que consegue controlar as infantilidades de Vinicius Júnior e sequer baixa o farol para Mbappé.
É impressionante como o ambiente da Seleção parece sem controle, onde cabe tudo e a CBF insiste em não impor limites. Sem contar a paranoia do grupo de ficar sempre se defendendo, buscando inimigos fantasmas e enaltecendo o próprio trabalho, como se todo o distinto público fosse cego. Que trabalho, caras-pálidas?
Na verdade, caminhamos para completar dois anos do encerramento da Copa do Catar e a CBF ainda está falando de recomeço e pedindo paciência. Tenha santa paciência! Essa cartolagem brincou com Ramon Menezes, acolheu as papagaiadas interinas de Fernando Diniz que nos levaram à pior situação histórica em Eliminatórias, fantasiou Carlo Ancelotti para viagem e descobriu que o estoque de mágicas de Dorival Júnior vai pouco além do “abracadabra, pé de cabra”.
Vinicius Júnior, Rodrygo e Endrick, para citar apenas alguns, sofrem de alguma alergia à cor amarela da camisa da Seleção? Ou seus técnicos nos clubes têm competências ignoradas pelos escolhidos da CBF? Alguém imagina o Vinicius do Real Madrid levar um segundo cartão que o tiraria de um jogo decisivo por dar um tapa no adversário que ia colocar um chapéu em sua cabeça? Ou ficar perdendo bolas em dribles irresponsáveis?
Até quando vamos aceitar esses mesmos jogadores que jogam bem em seus clubes virem defender o Brasil como quem chega para um encontro de lazer de peladeiros, como se estivessem fazendo um grande favor? Até quando vamos rejeitar um treinador estrangeiro de primeira linha, capaz de botar cada qual no seu cada qual, que parece ser a última saída que nos resta?
Num momento em que Eurocopa e Copa América estão em campo ao mesmo tempo nos permitindo diversos pontos de comparação, vemos diversos grandes jogadores que fizeram muito em suas seleções dando adeus. Cristiano Ronaldo, Messi, Modric, Kross, Di Maria, Pepe, Griezmann abrem caminho para novos ídolos nacionais e seus times seguem fazendo bonito em campo. Cristiano e Messi perderam pênaltis, mas na undécima hora seus goleiros garantiram a rapadura e a classificação. Até mesmo a França se safou tendo em campo um Mbappé mascarado e muito abaixo do que consegue jogar.
Nesse quesito, quem anda rindo à toa é a Colômbia, já que seu ídolo maior James Rodríguez está às portas de completar 33 anos, não joga em lugar nenhum – é a piada da hora no São Paulo –, mas consegue ser de longe um fenômeno dentro de campo com a camisa nacional e concorre com justiça ao título de melhor jogador do torneio.
Enquanto esses caras saíram das bases e viraram nomes históricos, fizemos um caminho inverso nos descolando da realidade rumo ao surrealismo. Chegamos agora a um ponto insuportável de vexame que teve início logo depois do pentacampeonato (em 2002). Nestes 22 anos, surgiram diversas gerações de jogadores medianos, supervalorizados, cheios de firulas e regalias, mas que nunca passaram do ponto de coadjuvantes. Aí surge a notícia de que o grupo centra esperança na volta de Neymar, um sujeito que vestido de amarelo sempre amarelou, virou meme internacional, tem agora 32 anos, está fora de ação pela enésima lesão grave e não consegue transmitir sinais de interesse em futebol de alto nível – talvez nem tenha mais condições físicas para tanto ou estaria nas principais ligas. Francamente!
Arroche na reza e acrescente mandigas, despachos, patuás e batuques porque até o santo está sem ânimo. O futuro? A Deus pertence – andam dizendo que Ele, por muitos motivos, não é mais brasileiro e agora também quer distância de certa camisa amarela. Cansou, coitado!