Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

O novo sempre vem

Tim Kawasaki – montagem (Reprodução/Alexandre Battibugli/QuatroRodas + Divulgação/Volkswagen)

O novo sempre vem

  • Heraldo Palmeira

A Kombi foi o carro que ficou mais tempo em produção na história da indústria automobilística. Permaneceu 64 anos, 56 deles no Brasil, onde chegou ao mercado em 2 de setembro de 1957. E aqui foi o seu local de despedida mundial, quando a última unidade deixou a linha de montagem da via Anchieta (São Paulo) em 19 de dezembro de 2013 e foi enviada diretamente para o museu da Volkswagen em Hannover, Alemanha.

A Kombi também foi o modelo inaugural da indústria automobilística brasileira e o primeiro Volkswagen feito fora da Alemanha. Muito antes de ser descontinuada, já circulavam rumores sobre a nova Kombi e diversos desenhos apareceram na imprensa internacional. Não demorou a virar lenda urbana, uma espécie de novo que nunca viria, principalmente depois que o New Beatle (novo Fusca) chegou às ruas em 1997, saiu de linha em 2010 e nada de sua “irmã” aparecer.

Finalmente a Volkswagen desvenda o mistério e comemora os 70 anos de sua presença no Brasil com uma campanha sensacional de lançamento da nova Kombi em versão 100% elétrica batizada ID.Buzz (foto), cuja chegada ao país está prevista para 2024. E não economizou no impacto. Portanto, esqueça aquele volante deitado e o pula-pula dos bancos. O carro parece um sedã grande e alto com vista panorâmica, com assentos confortáveis e até massagens para evitar a fadiga. Para manter a nostalgia, traz a pintura saia-e-blusa (duas cores e 11 opções de combinações), além do capô em forma de “V” com a enorme logo VW.

Sempre houve enorme ligação afetiva do mercado brasileiro com a Kombi. Tanto que, depois de tantos anos fora de linha, números oficiais de licenciamento dão conta de que ainda circulam quase 400 mil unidades apenas em São Paulo. Também é notória a relação do país com sua música popular. A partir dessa poderosa receita emocional, a agência de publicidade AlmapBBDO concebeu um filme que já começa a pisar o território do inesquecível, “juntando” as cantoras Elis Regina e sua filha Maria Rita ao som de uma surpreendente versão da canção Como Nossos Pais.

A música de Belchior foi eternizada por Elis, morta em 1982 e considerada por muitos a maior cantora brasileira de todos os tempos. Sua filha é um dos nomes importantes da nova geração. Vê-las “juntas” nesse momento fictício dirigindo as Kombis dos seus tempos é encantador, ainda mais pela presença nostálgica em cena de outros ícones da VW como Fusca, Parati, Kombi, Brasília, SP2 e Gol.

Realizado pela Boiler Filmes com direção de Dulcidio Caldeira, o projeto concebido pela AlmapBBDO contou com a participação de uma empresa de pós-produção dos EUA, especializada em projetos com tecnologias de ponta para Hollywood. Foram 2.454 horas de produção distribuídas por 108 dias de trabalho.

O filme utilizou inteligência artificial (IA) preparada com treinamentos intensivos usando diferentes tecnologias para o reconhecimento facial de Elis, com redes neurais conectadas à atuação de uma dublê repetindo imagens e movimentos característicos da cantora, na técnica conhecida como deepfake – troca do rosto de pessoas em vídeos onde são inseridos e sincronizados movimentos labiais, expressões e outros detalhes particulares da personagem desejada.

O dueto inédito e emocionante de mãe e filha propiciado pela tecnologia tornou-se um dos assuntos dominantes das redes sociais, mas que ninguém se engane: diferentemente do carro simples e barato de antes, a nova Kombi, importada da Alemanha, chegará às concessionárias repleta de tecnologias de última geração, uma brincadeira ao redor de R$ 400 mil na versão tradicional para passageiros e carga – será um pouco mais barata na versão furgão.

História A ideia da Kombi surgiu no início da década de 1940, a partir de um esboço feito por Ben Pon, importador da Volkswagen para a Holanda, que desejava criar uma versão perua para o sedan que conhecemos como Fusca. Ele teria se inspirado nos Plattenwagen (carro-prancha), veículos usados para transporte de carga no ambiente da fábrica de Wolfsburg, e seu desenho já trazia na dianteira o vinco marcante em forma de “V” com logotipo enorme da montadora.

O carro foi finalmente lançado em 1950 (foto) e até 1953 o modelo alemão chegava de navio ao Brasil. A partir daí, a Volkswagen resolveu trazê-lo pelo sistema Completely Knocked Down (CKD), “completamente desmontado”, cuja montagem foi confiada à Brasmotor, que já representava Chrysler, De Soto, Dodge, Fargo e Plymouth em território nacional. A parceria foi iniciada um ano antes de a Brasmotor fundar a Brastemp, outro ícone brasileiro. A partir de 2 de setembro de 1957, a própria Volkswagen iniciou a produção brasileira, utilizando 50% de peças nacionais.

O fim dos anos 1950 trouxe um sopro espetacular para o mundo moderno, com uma verdadeira revolução cultural e de costumes comandada pela juventude. O planeta vestiu um novo uniforme composto por jeans, tênis e camiseta, massificado pelo cinema como modelo de rebeldia para os jovens ocidentais que, a partir da década 1960, se opunham à Guerra do Vietnã e à Guerra Fria quebrando padrões de comportamento e potencializando o imaginário de amor livre, liberdade, respeito à natureza, pacifismo, vida simples e não consumismo. Os movimentos estudantis por direitos civis que explodiram nos EUA e depois em maio de 1968, em Paris, transformaram o exército índigo blue numa legião sem fronteira investida pelo Flower Power (Poder das Flores) para contestar os padrões conservadores reinantes.

Quantos não lembram ter ouvido “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada que você pode usar do jeito que quiser” no jingle (composto por Sergio Mineiro e Beto Ruschel) que propagandeava a calça jeans da marca US Top, produzida pela Alpargatas? Era o esforço brasileiro para entrar num mercado dominado pelas americanas Lee e Levi’s – os tênis All Star e as camisetas Hering também eram peças valorizadíssimas.

Woodstock foi um grande marco do movimento hippie nascido em São Francisco, porque muitos dos artistas que subiram ao palco tinham sintonia com aquela visão de mundo. A imensa visibilidade do festival disseminou a contracultura pelas areias ensolaradas da Califórnia, encheu o mundo de cores psicodélicas e espalhou o sonho de uma vida livre no melhor estilo sem lenço e sem documento. Os protestos pacíficos tornaram “paz e amor” e “faça amor, não faça guerra” mantras mundiais.

Viajar – em diversos sentidos – virou palavra de ordem. Para cruzar ruas, estradas e caminhos os jovens adotaram um carrinho simples, simpático, espaçoso, funcional e barato, que havia sido lançado na Alemanha pela Volkswagen em 1950, batizado com o trava-língua Kombinationsfahrzeug (veículo combinado), clara alusão ao seu espírito multiuso. No mundo de língua inglesa ganhou diversos nomes carinhosos – Bus, Microbus, Combie, Hippie Mobile, Hippie Bus, Hippie Van, Transporter, Splitty, Split Screen e Split-Window.

No Brasil, Kombi ficou de bom tamanho e entrou definitivamente na história do país. Além do modelo standard tradicional, para transporte de cargas e passageiros, carinhosamente chamado de Velha Senhora e Perua, logo depois da nacionalização chegaram ao mercado as versões picape com cabine simples e dupla. Quantos não fizeram “uma mudança que cabia numa Kombi” e coube?

Segundo a montadora, foram 1,56 milhões de unidades fabricadas aqui. Saiu de linha porque a legislação previa que todos os automóveis fabricados a partir de 1º de janeiro de 2014 deveriam trazer airbags frontais e freios ABS de série, inovações que obviamente um projeto de 1940 não previa. E nem valia a pena tentar adaptar.

Saiba mais

Nova Kombi (filme de lançamento)   https://www.youtube.com/watch?v=aMl54-kqphE

Jingle US Top   https://www.youtube.com/watch?v=B5WHh1J5A00

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