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O outro futebol
- Sylvio Maestrelli
No domingo (12) tivemos a realização de um dos maiores eventos do esporte mundial: o Super Bowl, em sua 57ª edição. A grande decisão do campeonato de futebol americano da temporada 2022/2023 aconteceu na cidade de Glendale, Arizona (EUA).
Desta vez, os finalistas foram o Philapelphia Eagles e o Kansas City Chiefs, com vitória dos Chiefs por 38×35, com direito a espetacular virada no último quarto! O time do grande craque Patrick Mahones, eleito MVP da final (melhor jogador) sucede o campeão de 2022, o Los Angeles Rams, time mais rico da NFL (National Fotbal League). São 32 equipes participam do campeonato, representando os mais diferentes Estados do país.
O esporte é, hoje, o mais popular entre os norte-americanos, superando o beisebol, o basquete e o hóquei sobre gelo. Seus principais atletas estão entre os mais bem pagos do planeta. Uma curiosidade é que, ao contrário das outras grandes ligas norte-americanas, como a NBA (basquetebol), NHL (hóquei sobre gelo), MLS (soccer – nosso futebol) e MLB (beisebol), equipes canadenses não disputam a NFL. Apenas as estadunidenses.
Famoso também pelos super astros da música que se apresentam no intervalo da partida – este ano foi Rihanna, mas a lista inclui Michael Jackson, Katy Perry, Madonna, Beyoncé, Bruce Springsteen, Aerosmith, U2, Paul McCartney, Prince… –, o jogo decisivo coloca frente a frente, desde 1966, os campeões das duas ligas de futebol americano subordinadas à NFL – a AFC (American Football Conference) e a NFC (National Football Conference).
Para se ter uma ideia da grandiosidade do evento e das cifras milionárias que o envolvem, a inserção de propaganda comercial (30’) na TV nos intervalos da partida custaram US$ 7 milhões (R$ 36,4 milhões). Esse foi o investimento de Doritos, Downy, GM, Heineken, Hellmann’s, Pepsi e Uber. Essa fortuna se sustenta pelo tamanho da audiência. Em 2015, foram 114 milhões de pessoas (apenas nos EUA) assistindo à grande final, o recorde até hoje. Em 2022, foram registrados 99 milhões de telespectadores.
Os jogos de futebol americano costumam ser renhidos, eletrizantes. Afinal, reproduzem batalhas, conflitos, guerras e são uma variação do rugby britânico. E isso ocorre desde sua criação, lá em 1867, quando se confrontaram as universidades de Harvard e McGill (Montreal) e os jogos subsequentes entre a mesma Harvard e Yale, com regras unificadas. Tal competitividade pode ser vista também nos campeonatos universitários dos Estados Unidos (NCAA) cujas decisões também lotam grandes estádios.
O jogo é sensacional. Basicamente constitui uma disputa de territórios, com duração de 60 minutos (4 quartos de 15 minutos). Não existe empate. Há prorrogação, com morte súbita para se definir o vencedor. São 11 jogadores de cada lado, o gramado é dividido em jardas e os times têm quatro tentativas para avançar com a bola oval até atingir a chamada endzone (a casa do inimigo). Se conseguem, isso se chama touchdown (jogada que vale 6 pontos), o que dá direito ao time que o converte de tentar, em seguida, acertar um extra point, o chute direto em que a bola passa por dentro da trave (em formato de Y estilizado) e que vale um ponto a mais. Caso a equipe não consiga o touchdown, a bola passa a ser do adversário. Por isso, muitas vezes, quando a terceira tentativa de avançar é bloqueada, a equipe abdica de buscar o touchdown e tenta fazer um field goal, chutando da distância em que o ataque foi interrompido. Se converte, ganha 3 pontos, mas a bola passa a ser do oponente.
Cada time define suas próprias estratégias e as substituições de atletas são ilimitadas. Além dos 11 jogadores que iniciam as partidas, ficam muitos outros 22 no banco – os times variam entre 18 e 25 reservas –, na expectativa de entrar. Normalmente, existem 3 formações utilizadas pelos técnicos: a ofensiva (quando sua equipe está de posse da bola e vai atacar), a defensiva (quando o início da posse de bola é do adversário) e a especialista (quando se utiliza de jogadores treinados especificamente para determinadas posições).
O grande cérebro do time é o quarterback, o general da batalha, o craque do time. Aquele que seria um antigo meia-armador em nosso futebol, que os norte-americanos chamam de soccer. É ele quem organiza e municia as jogadas de ataque, explorando, com seus passes, lançamentos longos e criatividade, as características de cada um de seus companheiros, desde os wide receivers (jogadores que buscam se desmarcar da defesa adversária) até os running backs (atacantes velocistas). Ele é tão fundamental que pode por sua conta e risco mudar as orientações, as ordens e as jogadas combinadas com o técnico, em função do que está ocorrendo no jogo. E no ataque temos o tight end (atacante que protege o quarterback das investidas e sarrafadas dos inimigos para bloqueá-lo, e que serve para desafogo, por meio de passes curtos) e os center-offensive guard e offensive tackle, cuja função é tentar barrar os defensores que buscam se antecipar e pegar a bola, matando a jogada.
Tão importante quanto um bom ataque, é dispor de uma defesa bem sólida e organizada. Ela deve ter especialistas em cada posição. Os líderes da defesa são os linebackers: o inside é o que comanda a formação defensiva a partir da marcação pelo meio e o outside marca os pontas. O defensive end e o defensive tackle se responsabilizam por fechar as infiltrações dos inimigos por dentro, enquanto o cornerback é o que procura anular o quarterback adversário, impedindo, atrapalhando ou bloqueando seus passes. Os safety são os últimos defensores, a quem cabe impedir a qualquer custo a penetração na chamada endzone.
Regras e estratégias à parte, o futebol americano é tão equilibrado que, em 57 disputas do Super Bowl, nunca houve um tricampeão consecutivo. E apenas uma vez, em 1972, um time conquistou invicto o campeonato: o Miami Dolphins, com 17 vitórias seguidas. Já no que diz respeito aos craques, os quarterbacks, alguns são verdadeiros ícones. Tom Brady, considerado o melhor e mais completo da história com 7 títulos, 5 vezes MVP (jogador mais valioso) no Super Bowl. Joe Montana, vencedor de 4 edições do Super Bowl. Payton Manning, o atleta eleito mais vezes como o mais valioso e recordista em touchdowns em uma única temporada. Aaron Rodgers, o mais eficiente em passes na história da NFL.
Essa modalidade esportiva representa a cultura belicista dos norte-americanos. Para delírio dos fanáticos torcedores, os jogos combinam estratégia, violência, planejamento tático, individualismo (cada jogador tem uma função diferente na equipe, o que permite que atletas de biotipo diferente atuem juntos) e, sobretudo, rivalidade. E isso pode ser constatado até mesmo no nome das equipes, a maioria ligada à força, animais ferozes, heróis, desbravadores, bravura e outros atributos positivos.
O ranking de títulos conquistados confirma o equilíbrio das disputas, onde não há grandes supremacias:
- 6 títulos: New England Patriots (patriotas) e Pittsburg Steelers (siderúrgicos)
- 5 títulos: Dallas Cowboys (vaqueiros) e San Francisco 49ers (em homenagem aos desbravadores do Oeste, garimpeiros que chegaram para a Corrida do Ouro em 1849, no norte da Califórnia)
- 4 títulos: New York Giants (gigantes) e Green Bay Packers (frigoríficos, no sentido de abatedouro)
- 3 títulos: Las Vegas Raiders (invasores, agressores, antigo Oakland Raiders), Denver Broncos (cavalos selvagens), Washington Commanders (comandantes – antes chamados Redskins, peles vermelhas, cujo nome foi mudado em 2022 por pressão daqueles que consideravam o termo redskin racista e pejorativo) e Kansas City Chiefs [caciques, com a vitória de domingo (12)]
- 2 títulos: Miami Dolphins (golfinhos, alusão à inteligência), Los Angeles Rams (carneiros), Indianápolis Colts (potros), Tampa Bay Buccaneers (bucaneiros, piratas) e Baltimore Ravens (corvos)
- 1 título: Philadelphia Eagles (águias), New York Jets (jatos), Seattle Seahawks (águias pescadoras), Chicago Bears (ursos) e New Orleans Saints [homenagem ao catolicismo e ao jazz, cuja música-tema é a tradicional When the Saints go Marching In (Quando os santos estiverem em marcha), que ganhou o mundo na versão de Louis Armstrong e na inclusão em cenas de filmes]
Sem nenhum título conquistado, mas parte da tradição do esporte, estão Cincinatti Bengals (tigres de Bengala), Tennessee Titans (titãs), Detroit Lions (leões), Los Angeles Chargers (cavalos de batalha), Arizona Cardinals (cardeais), Atlanta Falcons (falcões), Buffalo Bills (homenagem ao caçador de búfalos Bill Cody), Carolina Panthers (panteras), Cleveland Browns (homenagem a seu primeiro técnico, Paul Brown), Jacksonville Jaguares (jaguares), Minnesota Vikings (vikings) e Houston Texans (texanos, alusão aos desbravadores do Oeste).
O próximo Super Bowl terá sua 58ª edição em fevereiro de 2024 e a partida já está marcada. Será realizada no estado de Nevada, mais precisamente na cidade de Paradise. Dá tempo de se programar – por que não? –, aproveitar e esticar até Las Vegas, apostar em seu favorito e curtir o jogo ao vivo.