Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Obrigado, Pelé!

L’Équipe/Reprodução

Obrigado, Pelé!

  • Heraldo Palmeira

O menino tinha 9 anos quando viu seu pai Dondinho derramar lágrimas pela derrota do Brasil na Copa 1950, no terrível Maracanaço contra o Uruguai. Diante da tristeza do pai, o menino quis confortá-lo: “Não se preocupe, pai. Um dia vencerei a Copa do Mundo para você, prometo”.

O time infantil do Baquinho (Bauru) foi desfeito em 1955 e os meninos montaram o Radium, para jogar futebol de salão. Ganharam o primeiro campeonato e vários torneios. A superioridade técnica do menino era tamanha que a Liga de Futebol Amador criou uma nova regra: aquele menino só poderia jogar como goleiro ou zagueiro e, se passasse do meio da quadra com a bola, seria marcada falta para o adversário.

Contam que, de volta ao gramado e antes de se profissionalizar, o menino recebeu uma bola na entrada da área. Estava de costas e bateu de primeira, de calcanhar. Um golaço! O técnico passou-lhe um sermão, dizendo que ele tinha espaço para girar e olhar o gol adversário de frente para ter precisão na conclusão da jogada. Na maior inocência, o moleque respondeu:

– É que eu olhei para a nossa própria trave.

Chegou aos Santos aos 15 anos (1956) pelas mãos de Waldemar de Brito, seu técnico do Baquinho, que profetizou na Vila Belmiro: “Esse é aquele que falei que vai ser o melhor do mundo”.

Na Copa do Mundo 1970, o mundo viu pela televisão o primeiro Mundial transmitido ao vivo, via satélite e em cores. No decorrer das transmissões, os ex-jogadores britânicos Malcolm Allison e Pat Crerand travaram o seguinte diálogo:

– Como se soletra Pelé?

– D-E-U-S!

A capa do jornal francês L’Équipe (foto) disse, definitiva e em letras garrafais, LA FIN D’UN MONDE. Sim, traduzia exatamente “O fim de um mundo”. Afinal, serviu para noticiar a morte de um certo Edson Arantes do Nascimento, que o mundo aprendeu a conviver como “Pelé, o rei que reinventou o futebol, o eterno namorado da bola”. A imprensa internacional não economizou nas tintas, não poderia.

Nos EUA, “Pelé, a imagem global do futebol”, sentenciou The New York Times, que completou descrevendo o Rei como “tesouro nacional” brasileiro. The Washington Post entrou na linha de passe e lançou em profundidade “Pelé, ‘rei do futebol’ que se tornou o atleta mais famoso do mundo”.

Na Europa, Pelé foi descrito como “lenda” pelo Le Monde (França), Guardian (Reino Unido) e La Repubblica (Itália). E o jornalão britânico lembrou que ele foi nomeado pela revista norte-americana Time como uma das 100 personalidades mais influentes do século 20. O português O Público afirmou que o Rei foi “o escultor do futebol sem fronteiras e varreu o mundo com o seu talento”. O espanhol El País considerou-o “o primeiro grande craque que teve o Brasil e o futebol mundial”.

Do outro lado do mundo, o Sunday Morning Herald (Austrália) afirmou que ele “ajudou a tornar o futebol o esporte mais popular do mundo e encontrou papas, presidentes e estrelas de Hollywood em uma carreira de sete décadas como jogador e embaixador do esporte”. Do lado de cá, o Clarín (Argentina) desceu do salto com “símbolo supremo do futebol”.

A morte de Pelé não é apenas o fim da vida de uma personalidade popularíssima. Parece pairar no ar a sensação de que sua partida decreta o fim de um tempo, ou mesmo de “um” mundo, como registrou com extrema sensibilidade o L’Équipe. É isso que distancia o jogador de qualquer outra personalidade, descortina o quanto ele está acima de qualquer pretenso concorrente. Talvez, por tudo isso, o Santos pretenda aposentar a camisa 10 a partir de janeiro/2023.

Aquele que se tornou o brasileiro mais conhecido de todos os tempos, sinônimo de Brasil nos quatro cantos do mundo. Aquele que, mesmo homem feito, era capaz de declarar quase com inocência, como se não compreendesse plenamente o teor divino que carregava “Querida Bola, se existe uma coisa importante no mundo, é você. Se Deus mandou você pra mim, e ter tanta liberdade, tanta amizade com você, é porque Deus me ama!”. E a bola amou Pelé como jamais amou alguém. “Se eu pudesse, me chamaria Edson Arantes do Nascimento Bola. Seria a única maneira de agradecer o que ela fez por mim”.

Reza a lenda que os franceses da revista Paris Match foram os primeiros a tratar Pelé como Rei do Futebol, depois que ele marcou três gols contra a França numa exibição de gala na Copa 1958, e do espetacular Brasil 5×2 Suécia que fechou o torneio e nos deu o primeiro título mundial.

Na verdade, num testemunho de fé – quase vidência – impressionante, o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues publicou na revista Manchete Esportiva de 8 de março de 1958, bem antes da Copa, a crônica A Realeza de Pelé, inclusive prevendo que aquele menino não se intimidaria diante dos adversários estrangeiros no mundial que se avizinhava e que o Brasil poderia finalmente ser campeão, como terminou acontecendo.

Em 26 de fevereiro, poucos dias antes da publicação, Nelson esteve no Maracanã assistindo ao massacre Santos 5×3 América pelo torneio Rio-São Paulo. Foi ali que ele viu o menino de 17 anos marcar quatro gols. Foi ali que ele testemunhou um torcedor “doente” do Mequinha carioca esbravejar “Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!”. Foi a partir dali que ele escreveu, já com cetro e coroa à mão: “Pois bem: verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça aos pés […] E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha.”

Já em 1959, ao escrever a coluna Meu Personagem do Ano, Rodrigues entrou com bola e tudo: “…É um gênio indubitável! Pelé podia virar-se para Michelangelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los com íntima efusão: ‘Como vai, colega?’”.

O Maracanã, que ia se tornando freguês das maravilhas do já soberano da bola, viu nascer a instituição “gol de placa”. Jogando contra o Fluminense, partiu da própria intermediária, driblou seis adversários e tocou na saída do goleiro Castilho. Em campo, no tricolor carioca, um certo Telê Santana. Nas arquibancadas, uma multidão esqueceu qualquer disputa e aplaudiu o golaço. Impressionado, o jornalista Joelmir Betting mandou confeccionar uma placa instalada no saguão do Maracanã: “Neste estádio, Pelé marcou no dia 5 de março de 1961 o tento mais bonito da história do Maracanã”. Sua relação gloriosa com o Mário Filho foi coroada com o milésimo gol.

Não era para qualquer um receber no vestiário, depois de um jogo no Maracanã, ainda ensaboado e enrolado às pressas numa toalha porque estava nu debaixo do chuveiro, a visita inesperada de um certo Bob Kennedy, senador nos EUA em visita ao Brasil. Naquele 1965, o político acreditava que aparecer naquele clima ao lado do Rei do Futebol poderia ajudá-lo na pretensão de chegar à Presidência dos Estados Unidos. E a foto terminou divulgada pela máquina de propaganda política para sensibilizar o eleitorado negro norte-americano.

Também não era para qualquer um receber a visita da rainha Elizabeth II vestindo calção, chuteiras e camisa de time de futebol. Em 1968, de novo o Maracanã foi o palco. Naquele encontro de majestades, ela disse “Esperamos em Londres a visita do incomparável Pelé”. Vida justa que passa, em 1997 o Rei Pelé recebeu da mesmíssima rainha da Inglaterra o título de Cavaleiro da Ordem do Império Britânico, tornando-se um dos poucos estrangeiros a receber essa grande honraria do império. Portanto, a partir dali, deveria ser tratado de Sir Pelé! Também foi condecorado Cavaleiro da Legião de Honra da França e nomeado cidadão do mundo pelo Unicef.

O hábito de encontrar chefes de estado – teriam sido 11, além de papas e soberanos – vinha sempre carregado de reverência, como aconteceu com um dos mais famosos presidentes dos EUA: “Muito prazer, eu sou Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos. Você não precisa se apresentar. Pelé todo mundo conhece”. Já Jimmy Carter, reconheceu o papel dele para o futebol do país: “Pelé elevou o futebol a um nível nunca antes visto na América”. Bill Clinton veio às redes sociais lamentar a perda: “Pelé não era apenas uma lenda do futebol, mas também um ícone humanitário e global. Ele usou sua plataforma para capacitar crianças carentes e inspirar gerações ao redor do mundo. damos graças por sua vida e legado”. Nelson Mandela afirmou “Vê-lo jogar era como ver a alegria de uma criança combinada com a extraordinária graça de um homem adulto”.

Corria 1978 quando Pelé visitou o papa João Paulo II no Vaticano. Na época, circulou no ambiente interno da imprensa um gracejo que correspondia absolutamente à verdade: os dois eram os únicos que não precisavam ter seus nomes escritos na tela quando apareciam na TV. Aqui cabe como uma luva o que me disse emocionado o querido amigo/irmão guitarrista Joca Costa: “Acredito que nunca outro ser mortal terá tamanho reconhecimento mundial”.

Já que entramos na música vamos pensar nos Beatles, outro fenômeno de popularidade incalculável. Porém, lá eram quatro para dividir a celebridade reconhecidamente desequilibrada em favor de Lennon e McCartney contra Harrison e Starr.

É óbvio que Sir Paul e Sir Pelé são dois gigantes em popularidade mundial individual, batendo uma bolinha com o papa – no caso do homem do Vaticano, o cargo é muito mais decisivo para a fama do ocupante do que uma carreira de sucesso pessoal. No mundo atual, parece difícil alguém se aproximar do grau de celebridade desse triunvirato.

Se estabelecermos comparação de popularidade entre Paul e Pelé, é possível sentir no homem da bola pontos exclusivos: um quê quixotesco, uma pitada chapliniana que afastam o Rei para mais adiante de todos. O cantor jamais foi uma tradução do seu país; Pelé encarnou a “pátria de chuteiras” definida por Nelson Rodrigues, um verdadeiro símbolo nacional brasileiro. Também foi o dínamo da globalização do futebol. Difícil alcançar seu patamar.

Desnecessário perder tempo tratando do repertório de jogadas inacreditáveis – qualquer pesquisa na internet mostra que os craques que vieram depois apenas tentam repetir um pouco do que ele fazia há seis décadas – se podemos nos valer de Nelson Rodrigues: “O que eram certas jogadas de Pelé se não cínicos e deslavados milagres?”. E ainda é possível sintetizar: ele marcou quase 1.300 gols em pouco mais de 1.300 partidas. Alô, artilheiros!

Para fazer referência a esses eternos candidatos a “melhores do mundo de todos os tempos”, nada melhor do que lançar mão do maravilhoso vocabulário do saudoso colunista Ibrahim Sued – tinha licença poética devidamente chancelada pelo filólogo Antônio Houaiss; a mesma (licença poética) que os deuses do gramado concederam a Pelé quando o associaram à bola. Aos maradonas, messis, cristianos ronaldos, neymares e que tais, cabem bem alguns recados do velho jornalista: “De leve”, “Cavalo não desce escada”, “Os cães ladram e a caravana passa”, “Ademã, que eu vou em frente”.

Depois do espetacular tricampeonato e de ter sido a grande estrela da Copa 1970, Pelé poderia tentar o tetra sem qualquer problema. Muita gente embarcou na versão de que ele preferia não arriscar e sair-se mal quatro anos depois de triunfar no México. Muitos anos depois, ele deu a sua versão: “O que muita gente não sabe é que não joguei a Copa de 1974, na Alemanha, por desgosto em relação ao regime político do país. Era a época da ditadura”.

Pelo conjunto da obra foi eleito O Atleta do Século em 12 de julho de 1980, quando ainda faltava pouco mais de 20 anos para o século 20 terminar. Os 178 votos que o deixaram à frente do velocista e saltador norte-americano Jesse Owens e do ciclista belga Eddy Merchx vieram de jornalistas das 20 maiores publicações de esportes do mundo, numa premiação organizada pelo jornal francês L’Équipe – o mesmo que agora reconhece que “um” mundo chegou ao fim.

Para reforçar quem foi Pelé para o esporte mundial, algo ainda mais impressionante aconteceu em 1999: ele foi mais uma vez eleito O Atleta do Século pela revista oficial do Comitê Olímpico Internacional (COI), mesmo sem nunca ter participado de uma Olimpíada. Os votos vieram de 200 comitês olímpicos nacionais e ele venceu, pela ordem, três norte-americanos: o boxeador Muhammad Ali (nascido Cassius Marcellus Clay), o velocista Carl Lewis e o basquetebolista Michael Jordan. Ali não poupou eloquência ao dizer a Pelé “Somos os maiores do mundo!” – a resposta veio na bucha, “Você está certo, somos os maiores do mundo”.

Como a FIFA não podia deixar de dar seu vexame, inventou o Prêmio FIFA Melhor Jogador do Século, anunciando que seria concedido a partir de uma média dos votos dados por especialistas (jornalistas, treinadores e jogadores na ativa e aposentados) e internautas comuns.

Embora Pelé tivesse nadado de braçada entre os especialistas, o fã-clube de Maradona e a imprensa hermana entraram em grande campanha e o argentino obteve 53,6% dos votos digitais – Pelé alcançou 15,98%. Sem saber o que fazer diante de um resultado tão estapafúrdio, a velha senhora dona do jogo da bola resolveu dividir o prêmio entre os dois, entregue em 11 de dezembro de 2000. Deve vir desse episódio o delírio “Maradona é melhor do que Pelé” dos argentinos.

É nessas horas que salta à memória o registro de declarações indiscutíveis. O francês Just Fontaine – até hoje o maior goleador em Copas, marcou 13 vezes em 1958 – não ficou titubeou ao dizer “Quando vi o Pelé jogar, fiquei com a sensação de que deveria pendurar as chuteiras”. O cracaço inglês Bobby Charlton enxergou a simbiose entre o Rei a sua atividade: “Às vezes fico com a sensação de que o futebol foi inventado para esse mágico jogador”. O extraordinário holandês Johan Cruyff não tinha ilusões: “Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica”. O húngaro Ferenc Puskas, um dos gigantes do futebol, foi definitivo ao afirmar: “O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stéfano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo. Pelé não é deste mundo!”. O português Costa Pereira ficou em transe: “Cheguei esperando parar um grande homem, mas saí convencido de que tinha sido superado por alguém que não nasceu no mesmo planeta que o resto de nós”.

O ponta-esquerda Pepe, seu companheiro de Santos, foi na mesma linha: “Sou o maior artilheiro da história do Santos. O Pelé não conta, porque era um ET”. Roberto Rivelino, seu companheiro de tricampeonato, espanta os insistentes: “Comparar o Pelé com qualquer jogador é impossível. Pelé é Pelé. Ele está em um nível completamente diferente”. Tostão, outro incomparável do tri, deixou um recado antecipado (em alguns anos) para os exibicionistas infestam os campos: “Jogava com grande objetividade. Seu futebol não admitia excessos, enfeites nem faltas. Ele quase não fazia embaixadas, não driblava para os lados, mas sempre em direção ao gol”.

As teclas de Nelson Rodrigues segredam: “O maior jogador que apareceu assim no céu como na terra.” A ordem inversa do Pai-Nosso (Terra e céu) era facilmente explicável pelo cronista: “É um jogador humano e divino ou mais divino que humano […] Do esquimó ao chinês, do russo ao alemão, do patagônio ao egípcio, todos acham que Pelé realmente é o grande craque do presente, do passado e do futuro”.

Outros grandes das artes também gastaram tinta e gogó fazendo gols de letra. O poeta Carlos Drummond de Andrade fintou com classe: “O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé”. O cronista Luís Fernando Veríssimo parou o jogo: “Pelé era bom até amarrando a chuteira”. O escritor Ruy Castro considera “o jogador mais completo que já existiu”.

Há também o depoimento do escritor Luiz Ruffato, recordando o primeiro gol da final da Copa 1970, numa cabeçada hoje histórica contra a Itália. “Recordo os gritos de felicidade das pessoas do meu bairro, gente pobre que trabalhava nas fábricas de tecido, e que, naquele momento, sentiam-se reis como Pelé”. Depois daquele jogo o zagueiro italiano Tarcisio Burgnich, encarregado de marcar Pelé, completou as memórias de Rufatto como um reverso, pelo olhar de quem viu de dentro para fora das quatro linhas do campo: “Eu pensei: ‘ele é feito de carne e osso como eu’. Eu me enganei”.

O cineasta, poeta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini fez poesia: “No momento em que a bola chegou aos pés de Pelé, o futebol se transformou em poesia”. Vinícius de Moraes não fez verso, apenas sintetizou Nelson Rodrigues para dizer “Da Sibéria à Patagônia todo mundo conhece Pelé”. O jornalista Armando Nogueira, dândi das letras e especialista do jogo, enxergou com lupa: “Pelé não tinha um pingo de sofreguidão. Era tamanha a superioridade técnica, tão notável a força física e mental, que dentro ou fora da área, aterrorizava todo mundo. Daí, ter feito todo tipo de gol que alguém possa imaginar”. Caetano Veloso cantou “Pelé disse love, love, love”.

Certa feita eu estava em Buenos Aires, tomando um café no La Biela – um dos bares mais famosos da cidade, instalado diante da magnífica seringueira da praça central da Recoleta –, quando entrou César Luis Menotti (El Flaco, em razão da figura alta e esguia) e a casa desabou em aplausos ao ídolo nacional, muita gente se pondo de pé até que ele se acomodasse à mesa. Estava clara a importância daquele homem em sua terra, aplaudido apenas por ser quem era.

Diante da notícia da morte de Pelé, El Flaco, técnico da seleção argentina campeã mundial de 1978, hoje coordenador de seleções da AFA e companheiro do Rei no Santos declarou ao jornal portenho La Nacion: “Não houve nenhum como Pelé, foi o maior de todos. Aos 16 anos já era o melhor; tudo que um futebolista quisera ter define Pelé”. É o mesmo que, muito tempo antes, foi taxativo: “Maradona só será um novo Pelé quando ganhar três Copas do Mundo e marcar mais de mil gols”.

O maior craque alemão de todos os tempos, Franz Beckenbauer revelou um segredo para se despedir do amigo: “O futebol perdeu o maior da sua história e eu perdi um amigo único. Nascido em Três Corações, Pelé tinha três corações: pelo futebol, pela família e por todas as pessoas. Aquele que jogou com as estrelas e sempre teve os pés no chão. Fui para os EUA em 1977 porque queria muito jogar em um time com Pelé. Essa época ao lado dele foi uma das maiores experiências da minha carreira e Pelé me chamou de irmão. Isso foi uma honra inimaginável para mim. O futebol sempre será seu, meu amigo! Obrigado pelo seu jogo, Rei!”.

O que dizer dos “três gols inesquecíveis” que o mudo festeja até hoje, sem que a bola tenha chegado às redes? O chute do meio do campo contra a Tchecoslováquia, a cabeçada defendida milagrosamente pelo goleiro Gordon Banks em favor da Inglaterra e o drible genial no goleiro Ladislao Mazurkiewicz diante de um atônito Uruguai. Todas são pinturas na galeria da Copa 1970 e saíram da aquarela sobrenatural do Rei.

O efervescente ano de 1968 foi decisivo para definir o perfil do século 20. O gênio norte-americano da pop art Andy Warhol cunhou uma frase definitiva: “No futuro, todo mundo será famoso por 15 minutos”. Previu com precisão o culto à celebridade que dominaria o mundo nos dias de hoje.

Em 1977, poucos dias antes de Pelé encerrar a carreira no New York Cosmos, Warhol apontou sua inseparável Polaroid Long Shot para aquele homem e reescreveu sua previsão: “Pelé é um dos poucos craques que contradizem minha teoria: em vez de 15 minutos de fama, ele terá 15 séculos”.

A despedida ocorreu em 1º de outubro de 1977 no Giants Stadium, New Jersey. Cosmos 2×1 Santos aconteceu diante de 75.646 súditos. O Rei jogou um tempo por cada time e fez seu último gol (número 1.283), de falta, pelo time norte-americano. Aquele foi seu jogo número 1.363.

Ao fim do primeiro tempo, entregou a camisa 10 do Cosmos a seu pai Dondinho. Terminado o jogo, presenteou a 10 do Santos para Waldemar de Brito, o craque da Seleção Brasileira de 1938 que o havia descoberto e levado de Bauru para a Vila Belmiro prevendo que ele seria o melhor do mundo. A missão estava cumprida!

Dondinho morreu em 1996. Tinha 88 anos e viu seu menino erguer três vezes a taça Jules Rimet como tricampeão do mundo. Chorou por uma, recebeu três Copas do filho.

Ao longo da vida, Pelé enfrentou muitas críticas fora de campo e fez um desabafo bem ao seu estilo: “Perfeito é o Pelé, que não erra, que é imortal. Mas o Edson Arantes do Nascimento é uma pessoa normal, deve ter um monte de defeitos que muita gente não gosta e recrimina”. Cobrado por não criticar a ditadura militar, lutar por melhorias no futebol brasileiro e tomar posição sobre o racismo, fez um mea-culpa intenso: “Fui covarde quando jogava. Só me preocupava com a evolução da minha carreira”.

Também foi crucificado por não ter assumido a paternidade de Sandra Regina, filha de um relacionamento fora do casamento. Na sua lógica simplista, tomou aquela posição porque a moça procurou primeiro a Justiça (que reconheceu a paternidade) antes de falar com ele – no mesmo período, assumiu a paternidade de Flávia Kurtz, que tomou o caminho inverso. A queixa pública se ampliou porque que não foi visitar Sandra no leito de morte e nem participou do seu funeral. Talvez esse tenha sido seu maior gol contra.

A revista Placar lançou a edição histórica Pelé 1940|2022 e cravou um DEFINITIVAMENTE IMORTAL maiúsculo na sua Carta do Editor.

Chega de comparações enfadonhas. Obrigado, Pelé! Descanse em paz. O século 20 finalmente terminou.

Agradecimentos   Hayton Rocha, Joca Costa, Maarten van Sluys, Márcio Gomes, Sylvio Maestrelli e Victor Biglione pelas ótimas informações e nossas prosas a respeito de Pelé.

Veja   https://ge.globo.com/video/pele-a-historia-do-maior-atleta-do-planeta-11222656.ghtml

Obrigado, Pelé (MPB4)   https://www.youtube.com/watch?v=xdWa5CA-4lE

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