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Pensamentos confusos
- Heraldo Palmeira e Kalunga Mello Neves
Às vezes, os pensamentos confusos de uma mente lúcida misturam tudo e invadem a percepção. Nem tudo é compreensível; nem tudo é desprezível. É aí que a poesia invade, sem pudor ou piedade, e deixa a mente a ver navios observando estrelas. Ora direis ouvir estrelas… Já não disseram? Por escrito:
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
A TV está desligada. A rádio web de um amigo, que só toca música boa, sonoriza o ambiente e convida ao atrevimento de cantarolar junto com Fred Mercury. Por que vocês não vêm sentar junto? Venham. Serão muito bem-vindos!
Nas pequenas cidades a felicidade ainda existe e a fofoca é uma forma de nos manter bem-informados com liberdade de expressão. A saudade é eternamente agradecida às photos de infância, que jamais envelhecem – elas não são como a grafia original de certas palavras que os linguistas vivem modernizando – e seguem mantendo vivo o passado que já foi presente e apontava para o futuro que certamente não era este que estamos engolindo contra a vontade.
Depois da terceira taça de vinho, a lucidez abandona sua formalidade e vem filosofar sobre felicidade. “Nesse seu ideal de felicidade, você se sente mais verdadeira usando um vestido de grife no réveillon ou tomando banho de sol, nua, na esteira?” A resposta não poderia ser mais reveladora: “Tanto faz!”. A ignorância deslumbrada é uma virtude burrinha que só! Ainda mais quando acredita que fez bonito, que soou filosofal.
Quando o passado volta ao presente a gente sente um sabor requentado. É sempre saudade? Ou são as marcas de tudo que foi vivido? O sonho, em sua vã filosofia, considera a realidade uma infiel companhia. Se você quer crescer na vida, vai arrumar sarna para se coçar, engolir sapos e se acostumar a ter muita persistência. E tudo isso vai modificando os sabores originais.
Transgredir e assumir as consequências é uma ousadia que a liberdade nos proporciona. Cabe nisso um quê de responsabilidade? Talvez. Nem tudo é acaso. O destino é um menino travesso que sabe o que vamos encontrar quando dobrarmos uma esquina, mas sempre fica calado, deixa que a gente descubra.
Na vida, ou você já foi ou é ou será. Tanto é verdade que virou bordão de humorista das antigas. Dizem que é brincando que a gente diz as maiores verdades. Parece piada sem graça, mas é.
Na vida, ser ou não ser não é a questão. A lucidez sensível dos loucos contrasta com os distúrbios escondidos dos certinhos. O pior, não admitem que não são sãos. E não são. Nenhum deles! Esta é a verdadeira questão, mesmo que ninguém faça questão nenhuma. Muito menos resolver o eterno dilema verdade/mentira que alimenta a lucidez e o distúrbio.
Ser ou não ser é coisa shakespeariana, aí está um bom xis da questão. E o Bardo não está mais aqui para explicar ou confundir. Se é que quereria fazer uma coisa ou outra. Esta é outra questão. Não entendeu nada? Nem você, nem ninguém.
Citação: Soneto XIII, de Via Láctea (Olavo Bilac)
*HERALDO PALMEIRA, escritor e produtor cultural | KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante