Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Pobre torcedor apaixonado

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Pobre torcedor apaixonado

  • Heraldo Palmeira e Sylvio Maestrelli

Parafraseando o escritor Euclides da Cunha, que, em seu clássico Os Sertões escreveu “O sertanejo é, antes de tudo, um forte” – uma das frases mais famosas da literatura nacional –, o torcedor brasileiro definitivamente é, mais do que tudo, um masoquista!

Evidente que minha afirmação valeria para os amantes do nosso basquete, que já vibraram com Amaury, Hortência, Marcel, Oscar, Paula, Ubiratan, Wlamir e tantos outros. Hoje, estão conformados com nosso patamar para lá de intermediário no ranking mundial, longe de sonhar com medalhas.

Valeria também para os fanáticos pelo nosso voleibol, que depois de tantas glórias e todos os títulos possíveis (só não ganhamos o Mundial Feminino), contando com craques como Ana Moser, Bernard, Bernardinho, Dante, Fabi, Fernanda Venturini, Giba, Giovane, Gustavo, Isabel, Jaqueline, Marcelo Negrão, Maurício, Montanaro, Nalbert, Sérgio Escadinha, Sheila, Tande, Virna, Wallace, William, e técnicos lendários como Bernardinho e Zé Roberto, parece não ter se renovado a contento – não ganhamos quase mais nada nas categorias de base – e agora sofre para conseguir chegar a uma Olimpíada.

Vale para o futsal, que dominamos com larga distância e perdemos relevância, desde que não vimos mais surgirem novos craques espetaculares como Douglas, Falcão, Jackson, Lenísio ou Manoel Tobias.

Vivemos de lembranças da hegemonia que tivemos no vôlei de praia e futebol de areia, sem contar nossa presença respeitada na Fórmula 1, onde agora só temos pilotos eventualmente e sem carisma para formar torcida apaixonada.

O futebol feminino que gerou Marta, a melhor jogadora do mundo por várias temporadas, nunca esteve entre nossas paixões esportivas. Ela mesma nunca nos empolgou, não chegou a um patamar de ídolo nacional e já está finalizando a longa carreira. Diante da visibilidade que a modalidade começa a ganhar em termos mundiais, com investimento pesado da FIFA e de clubes europeus de primeira linha, talvez a próxima década reserve surpresas positivas e formação de plateia.

O esporte brasileiro atual, sem uma política consistente, vive de espasmos quando aparecem “pontos fora da curva” como o canoísta Isaquias Queiroz, a ginasta Rebeca Andrade, o mesa-tenista Hugo Calderano e vai ficando por isso mesmo. O sucesso de lendas como Gustavo Kuerten no tênis ou César Cielo na natação não foi devidamente aproveitado na formação de atletas e na estruturação das modalidades.

É no futebol masculinos que aguentamos sofrer mais, pois é o esporte preferido da população, aquele que sempre emprestou reconhecimento internacional ao Brasil e aos brasileiros. Nosso cartão de visitas sempre foi o futebol-arte da magia pura, da “caneta”, do drible desconcertante. Aquele que, ganhando ou perdendo, encantava. Único país pentacampeão mundial! A camisa amarela que fazia os gringos tremerem, nosso orgulho nacional. O manto sagrado honrado pelo sobrenatural Pelé, gênios como Didi, Garrincha, Gérson, Leônidas da Silva, Tostão, Rivelino, Zico, Zizinho e craques inesquecíveis como Carlos Alberto, Djalma Santos, Falcão, Jairzinho, Nilton Santos, Rivaldo, Romário, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno e tantos outros monstros da bola.

O torcedor está desalentado há muitos anos com a Amarelinha, que literalmente tem amarelado. Com técnicos ultrapassados, desatualizados, medíocres ou sem currículo, que vêm usurpando e diminuindo nosso escrete em tristes entressafras, a última desde 2002 – e lá se vão mais de 21 anos!

Essa nova realidade midiática e sem conquistas terminou modificando o perfil da torcida nos estádios e do próprio esporte nacional no que seria “o país do futebol”. Aquele torcedor-raiz, movido por paixão, foi perdendo lugar nas arquibancadas pelo valor exorbitante dos ingressos, horários descabidos impostos pela televisão. Sem contar o efeito venenoso das cada vez mais violentas torcidas organizadas, aqui e ali transformando arenas e arredores em verdadeiras praças de guerra. Com o passar do tempo, as arquibancadas passaram a receber um número enorme de pessoas que enxergam tudo como um evento, puro entretenimento que deve ser replicado em redes sociais para fazer bonito (e inveja) nas listas de contatos.

O mito da Seleção Canarinho (hoje, pejorativamente chamada “canarinho-pistola”) se esvai pela falta de identificação de nossos mimados pseudocraques com a galera, aliada ao nível dos dirigentes. A falta de empatia chegou a tal ponto que as convocações da Seleção Brasileira, antes tratadas com fanatismo em todas as rodas de conversa país afora, hoje são vistas como meros balcões de negócios. Há rumores de que até se aposta sobre qual empresário vai ter mais jogadores chamados. Hoje, torcer pela Seleção ou por qualquer clube brasileiro é quase um ato de masoquismo.

O mercado da bola é outro ponto a ser pensado. Os principais times do país mal formam novos atletas e tratam de vendê-los para a Europa. Muitos desses meninos vão parar, emprestados, em equipes pequenas ou da periferia da bola, até provarem que realmente podem jogar nos clubes gigantes que fizeram o investimento para levá-los embora.

Na contramão, os clubes brasileiros assinam contratos insalubres com veteranos em fim da carreira que, obviamente sem ter muito mais a oferecer, terminam “perdoados” depois de custar uma fortuna aos cofres dos nossos “gigantes da Série A”, segundo a linguagem da moda da mídia pacheca.

A decadência dos times brasileiros é gritante. Todavia, como é também visível a falta de craques em outros países sul-americanos, parece estar tudo bem. O nível é tão fraco que Fluminense e Boca Juniors vão disputar a final da Libertadores sem maior expectativa do mundo do futebol em relação ao jogo. A rigor, quem é jogador de seleção (brasileira e argentina) nesses dois times? Há boas promessas como o volante André e o atacante John Kennedy, no tricolor carioca, e o meia Barco e o volante Fernandez nos xeneizes. Só que os tais “diferenciados” são os veteranos. Fábio, Marcelo, Felipe Melo, Ganso e Cano, no lado brasileiro. Romero, Rojo e Cavani, no time argentino. Todos sem nenhum mercado lá fora. Dá para entender por que, nos últimos anos, nem sempre o campeão da Libertadores chega à final do Mundial de Clubes ou seus treinadores sequer merecem um olhar do futebol europeu.

Os torcedores tricolores ainda podem se dar por felizes, apesar de só terem chegado a essa decisão pela incompetência do equatoriano Enner Valencia, centroavante do Internacional, que sabotou sua equipe com as incríveis chances que perdeu na semifinal contra o Flu.

Os demais “sofredores” cariocas não têm muito o que comemorar. Os vascaínos sonham em ver seu arremedo de time fugir do rebaixamento. Os botafoguenses, que começaram a mitificar uma equipe pouco mais do que arrumadinha, sem estelas, já se preocupam com a liderança do Brasileirão, uma vez que, como dizem com sarcasmo os torcedores inimigos, “tem coisas que só acontecem com o Botafogo” – durante a competição, o Botafogo vendeu seus dois melhores jogadores (o goleiro Lucas Perri e o zagueiro Adryelson) e trocou de técnico três vezes.

O Flamengo é um caso à parte. Nadando em dinheiro e com gestão amadora por excelência, o rubro-negro abusou do direito de errar desde que Jorge Jesus foi embora, a ponto de troca de técnico virar quase uma praga na Gávea. O clube fez de tudo para seu time não ganhar nada e chegou ao ponto de trocar um treinador competente (Dorival Júnior) que acabara de ganhar dois títulos importantes.

No meio dessa bagunça, vendeu jovens promessas como João Gomes, Lázaro e Lincoln e o veterano Rodinei – estava “voando” em campo, vive ótima temporada no futebol grego e estaria despertando o interesse de clubes do futebol inglês e francês. Sem conseguir boas reposições, contratou por grana alta atletas rodados que nunca convenceram como Vidal, David Luiz e Éverton Cebolinha. Para engordar a lista de maus negócios, pagou cerca de R$ 50 milhões em multas rescisórias a treinadores dispensados. Por causa dessa barafunda administrativa, hoje junta os cacos em campo, em que pese manter a posição de clube mais rico do país, com orçamento anual da ordem de R$ 1,3 bilhão.

Agora, anunciou a última novidade: vai arriscar com Tite, técnico que tem filosofia diametralmente oposta à dos rubro-negros, segundo a qual craques do Flamengo são feitos em casa. Tite não costuma promover meninos da base, adora veteranos e se caracterizou por gostar de “grupos fechados”, vulgarmente chamados de panelas. Sem jovens. O torcedor do Mengão deve ficar de orelha em pé, ressabiado: as “máquinas” que ficaram para a história (o esquadrão de Zico nos anos 1980 e o de Dida nos anos 1950) tinham o DNA flamenguista desde os juvenis.

Os torcedores paulistas não ficam atrás. Choram muito também. A política de saneamento financeiro e de contenção de gastos de Leila Pereira anda sabotando o Palmeiras. Apesar de o Verdão ter conquistado quase tudo nos últimos anos (só não tem Mundial), até hoje perdas importantes do elenco não foram repostas à altura (Danilo e Gustavo Scarpa nunca foram craques, mas tinham papel fundamental nas estratégias de Abel Ferreira). A sorte é que há uma safra de excelentes juvenis subindo, embora alguns já tenham sido vendidos (o atacante Endrick para o Real Madrid, o ponta Giovani para o Catar e o zagueiro Henri para os EUA). O azar é que alguns veteranos já dão indícios de declínio (Dudu, que também enfrenta grave lesão, e Rony).

O São Paulo, embora tenha evoluído com a chegada de Dorival Júnior e conquistado a Copa do Brasil, por causa da complicada situação financeira já acena para a venda de duas de suas principais revelações (Beraldo e Pablo Maia), mas paradoxalmente mantém jogadores caríssimos na reserva, como os não aproveitados Alexandre Pato e o equatoriano Méndez. Sem contar a contratação do colombiano James Rodríguez, um “craque” que nunca vingou, custa caro e tem jogado pouco.

Já os torcedores santistas, que outrora vibravam com um dos melhores times da história do futebol, dependem hoje dos venezuelanos Soteldo e Rincón e dos lampejos do controvertido Lucas Lima. Na verdade, o Peixe luta somente para não ser rebaixado. Muito pouco para quem já foi o trono do Rei Pelé!

E, por fim, a Fiel Torcida corintiana, sempre apoiando o time, passional e apaixonada. Os dirigentes do Timão disputam palmo a palmo com os cartolas flamenguistas o Oscar da incompetência. Venderam ótimas revelações como os zagueiros Murilo e Robert Renan. Repatriaram jogadores sem espaço no futebol internacional, como Angel Romero, Cantillo, Maycon e Yuri Alberto (o artilheiro que não faz gol). Jogaram todas as esperanças nos ótimos também repatriados Paulinho e Renato Augusto, que mal se sustentam de pé em razão do fim de carreira e muitas lesões. Trocaram técnicos de forma intempestiva, alternando veteranos como Luca, Luxemburgo e Mano Menezes, com inexperientes como Fernando Lázaro. Tentaram com Vítor Pereira, mas o caos financeiro colocou uma sogra no caminho que levou o português para a Gávea. Subiram juvenis fraquíssimos como João Vítor Roni e Xavier. Não renovaram a equipe (Fábio Santos, Fagner, Gil, Giuliano, Paulinho, Renato Augusto são “Sub-40”) e por aí vai. Resultado: a torcida reza para fugir do rebaixamento no Brasileirão.

Nos outros dois grandes centros do nosso futebol, as torcidas não devem ficar menos apreensivas. Em Porto Alegre, tanto os colorados quanto os gremistas estão vendo seus times sendo recheados de veteranos, já sem mercado no futebol europeu. Aránguiz, Bruno Uvini, Enner Valencia, Luis Suárez, Luiz Adriano e Mercado. Jovens? Vão embora. O ótimo lateral Vinícius Tobias, do Inter, e o meia Biteco, do Grêmio, já partiram para a Europa. Bons tempos em que a prata da casa fornecia craques como Falcão, Carpegiani, Batista e Ronaldinho Gaúcho.

Em Belo Horizonte, enquanto os atleticanos ainda lembram com saudade de Palhinha, Reinaldo e Toninho Cerezo, se contentando com o veterano Hulk e os resmungos de Felipão, os cruzeirenses lutam para não retornar à Série B e conquistar uma vaga na Sul-Americana. Haja sofrimento para quem já viu Dirceu Lopes, Palhinha, Piazza, Raul e Tostão ou o time da Tríplice Coroa de 2003. Ou um jovem magrelo e dentuço chamado posteriormente de Ronaldo Fenômeno. Eram tempos mágicos do futebol, onde o mesmo Palhinha jogou nos três principais clubes mineiros – América, Atlético e Cruzeiro, tornando-se um dos maiores artilheiros do Mineirão –, além de Corinthians, Santos e Vasco.

Bahia, Ceará e Pernambuco veem seus principais times – Bahia, Ceará, Fortaleza, Náutico, Santa Cruz, Sport e Vitória – oscilarem entre as séries do Brasileirão numa gangorra impiedosa. Nos outros estados a situação é crítica, beirando a petição de miséria.

E essa realidade desanimadora do futebol brasileiro é alimentada pela péssima administração, violência em campo, incompetência dos árbitros, barafunda do VAR, fragilidade técnica dos treinadores, postura ufanista de narradores, comentaristas e repórteres – sem contar a indigência verbal da maioria dos ex-jogadores transformados em analistas –, interferência de empresários e muito dinheiro em jogo para tratar jogadores medíocres como craques.

Raciocinando bem, o futebol brasileiro é um microcosmo da FIFA. Uma entidade que, para fazer média política, determina que a Copa 2030 seja jogada em dois continentes, com seis países-sede, 48 países participantes e seis seleções pré-classificadas. Ou que vai realizar um Mundial de Clubes com 24 times, sabe-se lá onde e com quais critérios.

Como se fosse pouco, o bilionário Elon Musk anunciou uma parceria com a Velha Senhora dona da bola para realizar uma partida da Copa 2034 em… Marte! Segundo o empresário, “a ideia é expandir o conceito de Copa do Mundo para Copa dos Mundos”. Não, não é piada. É apenas o jogo virando entretenimento, lembra? Deve ser por isso que falar de ETs está na moda de novo.

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