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Poema de poucas linhas
- Kalunga Mello Neves
O amor me leva a flutuar em pensamento por uma tarde chuvosa de Paris. Percebo pombos revoando pela praça cheia de gentes, e isso mais me parece imagem nostálgica de Roma. Sorrio e me contento com a brisa leve e um tanto fria que sopra na minha cidade, pertinho de um rio, de mãos dadas com o Uruguai. Procuro caminhar, mãos no bolso, passos acelerados. Abro escandalosamente o casaco de couro e peço que me penetre a lembrança da mulher que eu amo. Ela surge linda como sempre, nem sabe o quanto responsável pela minha vida. E recordar o que passamos juntos, fazer dela inspiração de e para tudo me acompanha agora nesta caminhada por ruas poéticas e floridas, onde tantas vezes me deliciei com a lembrança suave da sua companhia.
A conheci em meio a tantas outras, na exuberância feminina dos seus traços, eu também fazendo parte daquela multidão de jovens com resquícios ainda de tardia adolescência. Um breve olhar apenas, sem aceno ou qualquer outro gesto que nos tornasse especiais naquela manhã quente de dezembro. Tempos depois, falando com meus amigos de então, cada qual contando como conheceu sua namorada – algumas se tornaram suas esposas com o passar dos anos –, concluímos que a imprevisibilidade do amor se manifesta aí. Ninguém tem a mesma história para contar, todos guardam a sua como um inesquecível momento que a vida proporcionou. E a mulher que a gente ama se esconde e se revela numa parada de ônibus, num baile de Carnaval, numas férias à beira do mar, na inquietude da espera de uma prova de vestibular. São lindos estes encontros que a paixão chama de amor, que o amor chama de paixão, e que nós preferimos deixar que eles aconteçam no fluir natural da felicidade enfeitada com instantes de prazer.
Comecei a perceber o cabelo, os olhos, a sinuosidade do corpo, o sorriso. Fingi que era tudo para mim e ao mesmo tempo sabia que não era. Vez e outra, sim, nos encontrávamos, e a sua presença marcava o restante do meu dia. Algum sentimento aflorava num repente e uma inquietude me dizia que não me era indiferente a mocinha que estava a fazer desabrochar algo estranho dentro de mim. O sonhar com ela enfeitiçava minha noite, fantasiava de plumas o meu sonho. Ela ainda não sabia nada disso e (para ela) talvez eu ainda fosse simplesmente quem sentava ao seu lado e – uma única e tímida vez – tenha lhe oferecido um poema de poucas linhas apenas.
*KALUNGA MELLO NEVES, escritor e brincante