Por Heraldo Palmeira
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2 de abril de 2025

“Reduflação” é da sua conta

Alexas_Fotos/Pixabay

“Reduflação” é da sua conta

  • Heraldo Palmeira

Há duas frases muito populares que quase todo mundo já ouviu nos ambientes etílico-sociais: “Vamos tomar um litro de uísque?” ou “Garçom, traga um litro de uísque”. Mas essa medida mudou numa ação de bastidores de uma indústria global que movimenta bilhões de dólares anuais.

Foi durante a pandemia, com todas as inseguranças econômicas que vieram junto, que sumiram das prateleiras as embalagens de 1 l da maioria dos uísques, para dar lugar ao novo padrão de 750 ml. Não demorou a circular a informação de que a mudança estava relacionada com questões de transporte internacional para ocupar de forma mais racional o espaço nos porões de navios e aviões cargueiros, como já acontecia na indústria do vinho, cujo padrão é a garrafa de 750 ml.

Claro, aqueles preciosos 250 ml que sumiram das garrafas escocesas permaneceram nos tonéis de carvalho das destilarias, e cada três litros não engarrafados nas velhas embalagens geraram uísque suficiente para encher quatro dessas novas garrafinhas. E elas chegaram alegremente ao mercado custando o que antes era cobrado pelo litro.

Fazendo contas rápidas, o faturamento antigo de três litros gerou o valor de mais um litro sem qualquer aumento de produção – 25% de vantagem. Com o novo padrão rapidamente absorvido pelos consumidores sem muita reclamação, as velhas embalagens reapareceram. Obviamente, custando mais caro. Melhor impossível. Para a indústria.

Esse mecanismo é traduzido por uma palavrinha pouco conhecida, “reduflação”, que entrou no linguajar do economês há algum tempo, embora ainda não esteja incluída em nenhum dicionário. Mero detalhe, pois “reduflação” – redução do tamanho ou da quantidade de um produto, ao mesmo tempo em que seu preço permanece estável – é uma tendência mundial e vai muito além das garrafas nascidas majoritariamente nas Highlands do norte da Escócia.

Trocando em miúdos, a indústria embala aquele produto tradicional – biscoitos, chocolates, sorvetes, batatas, papel higiênico, iogurtes – numa quantidade menor e mantém o preço que era cobrado pela embalagem maior que você estava acostumado a comprar, e que gentilmente sumiu das prateleiras para não atrapalhar a manobra.

O fenômeno costuma ocorrer em períodos de crise, como alternativa para proteger os produtores da consequente inflação. Mas um detalhe nunca muda: mesmo quando a turbulência econômica tem fim, nada volta à relação quantidade/preço de antes. Ou seja, o consumidor vai ao supermercado, sai com embalagens menores dos seus produtos preferidos e paga a mesma coisa. Ou até mais caro. Tudo em razão dos “ajustes” exigidos pelo Sr. Mercado, que terminam contabilizados na rubrica “lucros maiores”.

Essa artimanha está se disseminando cada vez mais e não faltam explicações, que vão de escassez ou aumento dos custos de matérias-primas, embalagens, salários, transporte e despesas fixas. Neste momento, tudo ornamentado pela expressão “pós-pandemia”. Ou seja, custos de produção guardados a sete chaves determinam novos padrões de mercado, sempre a prejuízo do consumidor.

Em alguns países a população é informada desse tipo de mudança por meio de avisos exibidos nos supermercados. Afinal, ela gera inflação e queda no poder de compra. “Como a população se preocupa mais com o impacto das compras em seu bolso, é mais provável que as pessoas reparem mais no aumento do preço do que na quantidade de produto ‘perdida’ quando as embalagens encolhem”, considera Cammy Crolic, professora da Universidade de Oxford e especialista em comportamento de consumo.

Na verdade, como os consumidores não têm escolha, terminam se adaptando às mudanças. A única reação observada é que, quando a indústria adota o mecanismo da “reduflação”, a fidelidade às marcas despenca e a preferência recai sobre as marcas próprias dos supermercados, sempre mais baratas. No caso de produtos essenciais, não há muita alternativa a não ser pagar.

Em alguns casos, o capítulo final vem na sequência. Depois de diminuir o tamanho do produto até onde é possível, a indústria lança a mesma coisa com o tamanho original, enfeitado com “duplo”, “triplo”, “ultra”, “mega”, “super mega” nas embalagens. Em alguns casos, simplesmente troca o nome.

O que importa é que essas novidades estão prontinhas para, mais adiante, sofrerem a mesma “reduflação” que canibalizou seus ancestrais – que continuam nas prateleiras como sombras do que foram um dia. O mais importante para a indústria: todos custando o mais caro possível, pois o melhor negócio é mesmo golpear o bolso do consumidor sem piedade.

A veneranda indústria não iria adotar esquemas baixos como adulterar medidas, gabaritos, pesos e balanças, expedientes de bodegueiros de biroscas. Muito mais elegante, criou todo um sistema cheio de bases e argumentos técnicos para praticar a “reduflação”, peça-chave do jogo “menos por mais” em tempos pós-modernos.

Tim-tim com a garrafa possível, aquela que ainda cabe no bolso – caso as peças do seu vestuário não tenham passado por “reduflação” para virar slim fit!

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