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Renascimento do futebol italiano
- Sylvio Maestrelli
Talvez seja cedo para muita euforia. Mas, apaixonados que são pelo futebol, os italianos estão vibrando com as performances de suas equipes nos torneios europeus desta temporada 2022/2023. Com um otimismo contagiante, amigos que residem na querida “Bota” – de Norte a Sul – me asseguram que o tempo de vacas magras passou e logo, logo, também a Squadra Azzurra voltará a ser temida em nível mundial. Tomara! Que voltem os bons tempos de craques como Rivera, Mazzola, Riva, Facchetti, Scirea, Tardelli, Conti, Zoff, Maldini, Rossi, Baresi, Baggio, Totti, Nesta, Buffon, Pirlo, Cannavaro, Del Piero e tantos outros.
Desde a temporada 2002/2003, quando Milan e Juventus decidiram, nos pênaltis, a UEFA Champions League no mítico Old Trafford, em Manchester (vitória dos rossoneri por 3×2) e a Internazionale terminou a competição em terceiro lugar, que os italianos não se destacavam tanto – em conjunto – na principal competição europeia. É bem verdade que em 2005/2006, o Milan foi o vencedor, o mesmo ocorrendo com a Internazionale em 2009/2010 (temporadas, aliás, em que ambos foram posteriormente campeões mundiais de clubes).
Mas, desde 2016/2017, quando a Juventus foi varrida na final por 4×1 pelo Real Madrid, que as equipes da Itália não chegam à final. E, da temporada 2017/2018 até agora, não colocavam sequer um time entre os semifinalistas. Ainda que perfeitamente explicável, um período a ser esquecido quando estamos falando de um dos países mais tradicionais do mundo da bola. Nesta edição, estão com três equipes nas quartas de final (Napoli, Milan e Internazionale), uma façanha se imaginarmos que Liverpool, PSG, Barcelona e outros grandes da Europa já ficaram pelo caminho.
Note-se, ainda, que também a seleção italiana, tetracampeã mundial, vem decepcionando há anos. Mais precisamente desde 2006, quando, com um time muito competitivo e bem montado por Marcello Lippi, formado por craques como Buffon, Cannavaro, Totti, Del Piero e o grande Pirlo, venceu a Copa do Mundo na Alemanha, nos pênaltis, contra a França de Zidane e Henry. Nas Copas seguintes (2010 e 2014) caiu nas fases de grupos, e nas Eliminatórias para 2018 e 2022, obrigando os tifosi a verem os jogos, revoltados e frustrados, pela tevê. Houve o resultado surpreendente na Eurocopa de 2020, quando, como azarão, o onze italiano ganhou o título batendo os ingleses em Wembley por 3×2, nos pênaltis. Ficou nisso. Como diria o Bardo inglês, um sonho de uma noite de verão.
Pedi prudência a meus amigos italianos. Ponderei que seleção é uma coisa, clube, outra bem diferente. Mas alguns, mais arrogantes e pachequistas (lá também tem, e muitos!) já se dizem tranquilos quanto a um ressurgimento da Azzurra, apesar de criticarem o técnico Roberto Mancini – que insiste em convocar veteranos como Bonucci, Verratti e outros. Só que, ao mesmo tempo em que o chamam de “paneleiro” (versão peninsular do Tite?), alegam que a FIFA (leia-se Giani Infantino, torcedor interista) só aumentou o número de participantes da Copa do Mundo para 48 porque não seria razoável deixar novamente a Itália de fora, ainda mais em uma competição em gramados norte-americanos. Quem poderia lotar um estádio em Nova York senão os imigrantes e torcedores italianos? – perguntam.
Também argumentam que a Itália está nas semifinais da UEFA Nations. Argumentei que é apenas um torneio caça-níqueis, sem sucesso. Ouvi algumas expressões que meu nono costumava espalhar ao vento quando estava muito zangado e percebi que seria melhor esperar o campo de jogo definir.
Ainda que mantendo minha total desconfiança em relação à Azzurra, reconheço, sim, ter havido uma pequena evolução nos clubes italianos, embora não tão significativa quanto se alardeia. Talvez, por terem chegado ao fundo do poço. Ou porque se cansaram de fazer contratações equivocadas – agora, estão buscando em mercados não tão badalados algumas apostas que têm vingado (o macedônio Elmas, o camaronês Anguissa, o geórgio Kvarashkelia e o nigeriano Osimhem, todos do Napoli, líder disparado do campeonato nacional, são bons exemplos). Também têm dado mais oportunidades a jovens da base, ainda em índices moderados nos times grandes. Só que ainda há uma carência de atacantes de qualidade. Tanto que quase todas as melhores equipes têm seus ataques constituídos, em sua maioria, por estrangeiros
É fato que hoje encontramos Napoli, Internazionale e Milan entre os oito finalistas da Champions. Juventus e Roma nos oito melhores da Liga Europa, Fiorentina no grupo dos oito da Conference League. Dos times italianos que começaram a disputar torneios europeus, apenas a Lazio já está fora e isso é promissor.
Mantendo todas as tradições, o campeonato italiano viveu esta temporada mais um grande escândalo, novamente envolvendo La Vecchia Signora (a Juventus) como protagonista. Desta vez, não houve manipulação de resultados, mas fraudes fiscais na contratação de jogadores, o que levou 11 dirigentes a serem suspensos (inclusive o presidente do alvinegro de Turim, Andreia Agnelli) e à perda de 15 pontos na tabela.
Só que, paradoxalmente – já vimos este filme –, o futebol italiano se reergue a cada escândalo. Basta uma pequena viagem a 1980 para rever o Totonero, escândalo de vendas de resultados onde selecionáveis como o goleiro Albertosi (Milan), o zagueiro Manfredonia (Lazio) e os atacantes Giordano (Lazio) e Paolo Rossi (então no Perugia) estavam envolvidos, e Lazio e Milan foram rebaixados – ao todo, 13 jogadores foram presos. Em 1982, com alguns tendo a pena reduzida, inclusive Rossi (nosso algoz em Sarriá), a Itália foi tricampeã.
Já em 2006, em razão do Calciopoli – considerado o maior de todos os escândalos do futebol italiano –, a Juventus teve os títulos nacionais de 2005 e 2006 cassados e foi rebaixada para a série B, após envolvimento dos dirigentes do clube com a compra de árbitros e a manipulação de resultados. Naquele mesmo ano, a Itália foi tetracampeã mundial! Teremos esse tipo de coincidências agora, quando na sequência de um grande escândalo vem um título mundial da Azurra?
Os próximos meses nos responderão se realmente meus amigos italianos estão com a razão. Em abril e maio, rolam as quartas de finais das competições entre clubes europeias. Ainda neste primeiro semestre, a seleção italiana disputa amistosos se preparando para a Eurocopa de 2024 e para o quadrangular final da UEFA Nations League, que será jogado na Holanda – a Itália vai atuar dia 15 de junho contra a Espanha e, se vencer, pega na final o ganhador de Holanda x Croácia). Até lá, só resta torcer. Como sou um Maestrelli – embora não palmeirense – estarei pronto, degustando um bom vinho e saboreando uma pizza margherita. Forza, Itália! Avanti!
*Sylvio Maestrelli, educador e apaixonado por futebol