Por Heraldo Palmeira
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21 de novembro de 2024

Saúde doente

Delphinmedia/Pixabay

Saúde doente

  • Heraldo Palmeira

Plano de saúde. Este era o nome popular das empresas que vendiam a certeza de que o cliente teria atendimento de boa qualidade para cuidar da saúde até o fim da vida. Surgiram para suprir a carência do sistema de saúde pública, que era bem melhor do que a atual – basta lembrar que os hospitais públicos estavam entre os melhores do país.

Na verdade, havia um nicho entre a saúde pública (gratuita) e o atendimento particular (pago e muito caro). Foi aí que a saúde suplementar fincou seus tentáculos através de empresas operando um modelo de negócio pronto para o sucesso e que se tornou bastante representativo. Numa ponta, pessoas se juntavam como clientes e ganhavam poder de compra para ter acesso a produtos e serviços de saúde que não conseguiriam bancar sozinhas. Na outra ponta, médicos, clínicas, laboratórios e hospitais aumentavam exponencialmente sua clientela, com pagamento garantido pelas empresas operadoras, dando início a um processo de modernização nunca visto no sistema de saúde brasileiro.

A saúde pública continua caótica, apesar dos esforços e da grandeza da maioria absoluta dos servidores dos Sistema Único de Saúde (SUS), que lutam diariamente contra toda sorte de empecilhos – falta de insumos básicos, ingerência política, descaso, abandono, corrupção…

Os planos de saúde foram rebatizados como operadoras de saúde, uma fantasia para dar ideia de competência ao funcionamento empresarial de um sistema que sucumbiu à mercantilização e ao descontrole. Um cenário repleto de filhotes bastardos como opulência, incompetência, monopólio, desperdício e desvios, que foram paulatinamente grudados nas costas de quem paga a conta.

Nos congressos, seminários e encontros de líderes realizados pelo setor nos últimos 30 anos, uma previsão preocupante tornou-se onipresente e cada vez mais incômoda: cedo ou tarde o sistema iria colapsar. A aposta tinha um único ponto gerador de divergências entre os “especialistas”: quando se daria.

Nos maiores solavancos que surgiram pelo caminho, paliativos foram montados com a generosa anuência dos legisladores, sempre prontos a tornar legais mecanismos apresentados pelo lobby do setor e obviamente prejudiciais a quem paga a conta no fim da linha.

Assim, foi ganhando normalidade a prática de preços cada vez mais abusivos contra os consumidores, em contrapartida à redução de coberturas e perda de qualidade de produtos e serviços. Afinal, era necessário continuar alimentando as fantasias dos executivos e o descontrole administrativo, para garantir a fórmula da falência prenunciada ao longo de décadas.

Hoje, os ilustres ocupantes dos escritórios mais refinados do setor já sabem que a tragédia subiu ao palco numa profundidade que nem o melhor teatro grego seria capaz de conceber. Já os clientes em suas vidas anônimas, que há muito tempo viram o gato subir no telhado, agora recebem a notícia que o bichano despencou sem salvação. Mais uma vez, a saída das empresas é penalizar os clientes para diminuir seus riscos operacionais, lançando mão de estratégias que privilegiam apenas seus interesses, mesmo cutucando a lei e a ética com vara curta.

O assunto ganhou repercussão em abril, quando famílias de crianças autistas receberam avisos da administradora Qualicorp, alegando que os contratos relacionados com o plano Amil estavam “gerando prejuízo” e seriam cancelados unilateralmente, mesmo com as mensalidades em dia. “O drama das famílias atípicas chegou à imprensa. Em pouco tempo, soube-se que o problema era maior – e envolvia outras gigantes do setor. Idosos, portadores de doenças raras e pacientes com câncer também entraram na mira das rescisões em massa. Passaram a ser vistos como clientes indesejáveis, a serem varridos das carteiras de seguros […] Num mercado acostumado a fazer o que bem entende, a rescisão unilateral virou epidemia”, escreveu o colunista Bernardo Mello Franco no jornal O Globo.

Neste primeiro momento, nada menos que 20 operadoras e associações foram notificadas pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que exigiu explicações sobre as denúncias. Uma medida que soa apenas como espasmo diante da quantidade de reclamações registradas na Senacon e na Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS). “A ANS é uma vergonha. Entre a operadora e o cliente, sempre escolhe o lado da operadora”, afirma Ligia Bahia, médica e professora da UFRJ.

Na lista de empresas notificadas estão as operadoras Amil, Assefaz, Assim Saúde, Bradesco Saúde, Care Plus, GEAP Saúde, Golden Cross, Hapvida, MedSênior, Notre Dame Intermédica, Omint, One Health, Porto Seguro Saúde, Prevent Senior, SulAmérica, Unimed nacional, e as associações Abramge-Associação Brasileira de Planos de Saúde, Ameplan-Associação de Assistência Médica Planejada, FenaSaúde-Federação Nacional de Saúde Suplementar e Unidas-União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde.

Com a palavra… quem mesmo?

Saiba mais

https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/senacon-notifica-20-operadoras-de-planos-de-saude-por-cancelamentos-de-contratos/

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