Divulgação/Star+
Sem perder a pose
- Heraldo Palmeira
GIRAMUNDO VIU Uma deliciosa microssérie argentina apresentada em cinco capítulos curtos, O Faz Nada está disponível no Star+. Utilizando doçura, realismo, delicadeza e personagens profundos, a história escancara amizade, mazelas da velhice e coloca o essencial da vida no lugar das tolices que ocupam tanto o nosso tempo. “Comédia rascante e bem temperada, a série segue a receita de uma boa sobremesa, que não exagera no açúcar e traz uma dose exata de sal”, considera a resenha da revista piauí.
O Faz Nada nos leva a um mergulho pelos melhores sabores de Buenos Aires, tendo como cicerone Manuel Tamayo Prats (ótimo desempenho do consagrado ator Luis Brandoni), crítico gastronômico célebre, temido e esnobe que jamais alivia a carga contra comida ruim, culinária moderna e outras bobagens estabelecidas. Não se esquiva de demolir mitos com sua visão ferina, a ponto de determinar que “a cozinha argentina autêntica não existe”.
Manuel Prats é um dândi, sujeito refinado que passa a viver em decadência pela falta de dinheiro, mas não perde a pose e nunca economiza na ironia. A velha casa mantém um ar aristocrático e ele ainda se permite pequenos luxos, mesmo que para isso seja obrigado a ir vendendo as obras de arte que amealhou num passado que sugere tempos de prosperidade. Sempre impecável no vestir, o que importa para ele é jamais perder a fleuma. Também se acostumou a ser tratado com fidalguia em restaurantes e nunca lhe cobrarem a conta.
A filha vive em Londres e ele mora sozinho em Buenos Aires, sob os cuidados da fiel escudeira Celsa (Maria Rosa Fugazot), a governanta que administra há 40 anos a casa, a cozinha e a vida orientada pelo requinte do patrão.
Atravessando um hiato criativo porque acredita já ter dito tudo, Prats está obrigado a entregar um novo livro encomendado há anos e pelo qual já recebeu adiantamento da editora. Como o velho amigo foi substituído pelo neto no comando dos negócios, a empresa estabelece um prazo e ameaça acionar a Justiça por quebra de contrato e para receber de volta a quantia já paga.
A morte de Celsa estabelece o caos na vida do patrão, incapaz de realizar as tarefas mais comezinhas como fazer compras, usar cartão para realizar pagamentos ou acionar a máquina lava-roupa. Sequer tem celular e não dirige a velha Mercedes dos anos 1970 que mantém na garagem – tarefas da empregada. Diante da situação, finalmente aceita a indicação de uma amiga para que Antonia (Majo Cabrera), uma jovem paraguaia em busca de emprego, assuma o comando da casa. O desempenho da atriz é comovente e arrebatador na tarefa de substituir Celsa e termina operando uma grande transformação.
A série tem um luxo adicional: é narrada por ninguém menos que Robert de Niro, no papel de Vincent, famoso escritor internacional que vive em Nova York e amigo do protagonista. O Faz Nada é uma comédia refinada conduzida por um elenco de altíssimo nível. Soa também como verdadeira declaração de amor a Buenos Aires, cujo protagonista é muito mais do que um cidadão portenho ao assumir os contornos de personagem que traduz a cidade.
Amigos à mesa Na vida real, os atores Luis Brandoni e Robert de Niro são amigos de longa data e se comunicam, inclusive durante as cenas, num idioma particular que desenvolveram com base no italiano – Brandoni não fala inglês, De Niro não sabe espanhol.
A caminhada dos dois por Buenos Aires rende ótimas cenas, como o almoço no restaurante El Rebenque de Omar, instalado no número 24 da calle Matheu, região central da cidade. O local tem sua própria história de sucesso bem anterior à presença dos visitantes ilustres. Há cerca de duas décadas é comum ver a fila na calçada antes da abertura das portas ao meio-dia e às 8 da noite.
Até pouco tempo funcionava com dois nomes. De dia, Parrilla Celva Bravo, tendo a proprietária no comando do turno do almoço. De noite, Lo de Omar, onde o marido e sócio conduzia os trabalhos do jantar. Com a série, o nome foi trocado (pela produção) para El Rebenque de Omar e segue funcionando com ele. O dono, agora viúvo, tem recusado o assédio e os grupos arrebanhados pelas empresas de turismo. Prefere seguir leal aos clientes tradicionais que sempre garantiram casa cheia.
Referências O Faz Nada é mais um sucesso da dupla Gastón Duprat e Mariano Cohn – autores da divertidíssima série Meu Querido Zelador e dos ótimos filmes Minha Obra-prima e O Cidadão Ilustre. A lamentar apenas que o título original argentino Nada foi “traduzido” para o português como uma daquelas aberrações costumeiras na hora de dar títulos às obras audiovisuais estrangeiras por aqui. Afinal, passa uma ideia errada de que o protagonista é um “faz nada” na vida, quando, na verdade, a personagem vai muito além. Sem contar que o título original Nada dá nome ao livro que Prats estava devendo à editora.
Veja o trailer https://www.youtube.com/watch?v=T5zFRlxUPmc&t=12s