Por Heraldo Palmeira
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2 de abril de 2025

HAYTON ROCHA Startup da paixão

Sweetlouise/Pixabay

Startup da paixão

  • Hayton Rocha

O amor pode ser um elo forte ou um desenho na areia, mas sempre será imperfeito e delicado.

Soube de um jovem casal que trocou as juras de amor por reuniões de trabalho em home office. Ele, CFO das finanças domésticas. Ela, CEO das operações logísticas. No início, tudo era promissor: lua de mel, investimentos em viagens e jantares românticos, projeção de lucro afetivo a médio prazo. Mas, com o tempo, a rotina engoliu os dividendos da paixão, o negócio esfriou e o desejo – esse acionista inquieto – ameaça vender sua participação.

A internet, esse oráculo do século, ensina que casamento já foi apenas um contrato de conveniência: comida na mesa, herdeiros e disposição para tocar o projeto, na saúde e na doença… O amor veio depois, quando Freud abriu a caixa-preta das angústias humanas e as relações deixaram de ser apenas uma questão de sobrevivência. Mas a régua subiu: além de fiel, um parceiro precisa ser engraçado, sensível, sexy – e, de preferência, não esquecer a toalha molhada na cama.

O problema é que esse negócio afetivo desanda sem inovação. Entre boletos, reuniões e dilemas gastronômicos (“carne ou peixe?”, “pizza ou sushi?”), a fantasia do relacionamento apaixonado mofa no fundo do armário, junto com as roupas que um dia serviram.

Conversar, dizem os especialistas no assunto, os casais conversam. Oito horas por semana, em média. Mas boa parte desse tempo se perde na planilha invisível das obrigações: quem lavou mais louça, quem recolheu o lixo, quem varreu a sala… E, na dúvida entre dar atenção à cara-metade ou ao cachorro, um terço opta pelo óbvio – afinal, cachorro nunca late um “a gente precisa conversar!”.

O saldo dessa encrenca? Um cheque especial de afetos no vermelho. Um reclama do colesterol, o outro do preço do café. Um lembra da conta de luz, o outro das marcas do amor que sumiram dos lençóis. E a matemática do desejo é ingrata: para cada desentendimento, garantem os entendidos, são necessárias cinco interações positivas. Mas quem tem tempo para isso, quando a Netflix recomenda uma nova série imperdível?

Então o desejo faz o quê? Troca de roupa e vai dar uma voltinha. Foge para grupos de caminhadas ou pedais, botecos da moda ou, pior, para o conforto anestésico do celular. Nada disso é um desastre – toda individualidade precisa de espaço, claro. O problema é quando o casamento vira apenas um projeto de estabilidade, um arquivo de rancores que se acumulam como mensagens não lidas. E daí para o desinteresse mútuo é um pulo.

Desejo e novidade são crias da mesma costela, se bem que muitos casais insistem nas mesmas viagens, nos mesmos restaurantes, nos mesmos pijamas esburacados, como se nunca tivessem ouvido o alerta de Chico Buarque: “Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã…” (link abaixo). Depois, estranham quando a chama vira brasa e a brasa, cinza.

Não sou consultor de crises sentimentais, mas talvez funcione parar de esperar que o desejo caia do céu como um passe de mágica. Criar momentos sutis. Abrir um vinho ou preparar um risoto, um espaguete. Sussurrar (ou escrever) algo bonito quando o outro menos espera. Reservar meia hora por semana sem ser mãe ou pai – apenas amante.

Porque desejo não é boleto em débito automático. Se um espera pelo outro e o outro aguarda um milagre dos céus, a relação vira reunião de condomínio, onde todo mundo dá pitaco, mas ninguém quer ser síndico. E o desejo também precisa de espaço. Mais do que isso, de treino. Ninguém corre maratona sem preparo ou mantém o tesão sem prática. É como dizia meu avô: “se não arejar a terra, a espiga de milho vem rala”.

Se o negócio está mais para planilha do que para poesia, passou da hora de um reboot. De fechar as abas mentais e atualizar o sistema. Criar um protocolo de emergência antes que o desejo venda a sua participação e, pior, reinvista na concorrência.

Porque a coisa deixou de ser contrato de longo prazo com cláusula de estabilidade. Virou uma startup volátil, arriscada, que exige inovação constante. Se ninguém tomar a frente, o desejo faz o que sempre fez: abre o capital, procura um sócio mais arrojado e se desfaz da sociedade. E aí nem adianta mais apelar para consultoria. Romance sem investimento quebra – por falência múltipla dos pequenos gestos que sustentam qualquer relação.

O mercado não chora. O amor, sim. Se nada for feito, o desejo segue a lógica do capital: busca novas apostas. E quando menos se espera, já não existe doce lar, mas um espaço para alugar. Um cheiro que ficou no travesseiro. Uma canção que machuca. Sem dó.

*HAYTON ROCHA, escritor e blogueiro

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