Por Heraldo Palmeira
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23 de novembro de 2024

Time do céu

Conmebol/Reprodução

Time do céu

  • Sylvio Maestrelli

Tem gente que diz que Deus é brasileiro. Afinal, nosso país tem uma série de privilégios não concedidos a nenhum outro. Miscigenação total. Uma festa – Carnaval – onde cada um se torna quem quiser durante quatro, cinco ou mais dias, conforme a cidade. Natureza exuberante, terra fértil, praias paradisíacas. Músicas de mil tons, sons e cores. Uma culinária sempre deliciosa – doce e ácida, apimentada e suave, de temperos variados juntos e misturados. O bom humor mesmo diante da adversidade. A ausência de vulcões, tornados, furacões. E mesmo num regime presidencialista, temos um monarca, imperador, rei – Pelé, O Atleta do Século, o futebolista que parou guerras, o único tricampeão em Copas, que certamente poderia ter sido tetra, o maior jogador do mundo em todos os tempos, o cara de três corações pela medida da taça Jules Rimet e pela sua Três Corações (MG) natal!

E a gente sabe que Deus entende – e muito – de futebol. É tão justo que, por isso mesmo, nunca permitiu que os EUA se tornassem uma potência no esporte da bola no pé. Claro, eles vencem em quase tudo, em quase todas as Olimpíadas, não poderiam ganhar também no chamado esporte bretão. Futebol é para todos os filhos do Pai, indistintamente! Por isso mesmo, seu jogo tem a imprevisibilidade que fascina, nem sempre vence o melhor. Até os sauditas podem surrar futuros campeões mundiais, como vimos na última Copa.

E o Pai, sempre preocupado com justiça, fraternidade, sabedoria e bom senso está muito inquieto com a euforia desmedida, a precipitação e a falta de discernimento dessa nova geração de fãs da bola, que anda cometendo a heresia de colocar Lionel Messi, um simples mortal – ainda que gênio futebolístico, é notório – no topo da pirâmide do futebol, acima de alguém sobrenatural com a bola nos pés. Compreende-se que nossos grandes rivais e hermanos já tenham tentado minimizar a majestade do Rei – tiveram os espetaculares Di Stéfano e Maradona, além de La Pulga – mas, reverenciaram nosso eterno camisa 10 com respeito e admiração. E, com certeza, muita inveja “sadia”.

Por isso mesmo, e preocupado com o burburinho que já se acentuava na esfera espiritual, que também estava antenada à copa do Catar, Deus convocou São Bento, São Paulo, São José, São Caetano e outros santos boleiros para uma consulta. Valeria a pena já convocar logo Pelé – com 82 anos e gravemente enfermo – para o time dos céus, para preservá-lo desse joguinho de egos e vaidades que descamba para a injustiça? Valeria dar um puxão de orelhas prévio no papa, seu representante na Terra – argentino e humano –, deixando claro a Francisco que ele também estaria cometendo um erro se considerasse Messi o maior de todos os tempos?

Aconselhado por seus fiéis discípulos, Deus decidiu também ouvir outros craques que já estão no time celestial, desfilando seus talentos pelos campos do firmamento. Evidente que os brasileiros vibraram! Coutinho e Vavá se viram novamente formando duplas de ataque imparáveis e eternas com o Rei. Garrincha sonhou com o reencontro, contando vantagem que com os dois juntos – assim como foi na Seleção Canarinho – nunca foram e nem seriam derrotados. Carlos Alberto, o capitão do tri e amigo do peito, exultou. Zito vibrou com a possibilidade de “mandar de novo no Rei em campo”, como fazia no Santos e na Seleção. Até Friedenreich, Leônidas da Silva e Zizinho, os Pelés brasileiros do passado, aprovaram a ideia. Afinal, na eternidade inexiste idade e todos poderão finalmente jogar juntos. Tanto que, doravante, o tempo dele será registrado assim: Pelé (1940 – ∞).

Mas o Pai, em seu indefectível senso de justiça, não se limitou a escutar só os brasileiros. Poderia estar cometendo algum desatino, levado por uma paixão inconcebível, um nacionalismo indevido, um compadrio desnecessário. Daí ter ouvido individualmente supercraques de outros países, que, entre as nuvens, confessaram sua idolatria a Pelé. Puskás, Kopa, Masopust, Cruyff, Eusébio, Bobby Moore, Gerd Müller, Fachetti, George Best e muitos outros “monstros” agora ainda mais sagrados – alguns que nem o enfrentaram na Terra, como o italiano Scirea, aplaudiram a iniciativa divina. Mesmo Maradona, discreto no confessionário, o reverenciou diante do Criador se autoproclamando súdito e reivindicando para si o título de segundo melhor do mundo! E todos se mostraram unânimes em afirmar que nunca existirá outro. Como ponderou Santo Expedito, refletindo sobre causas impossíveis, “perdoemos os irmãos terrenos, deixem o Messi pra eles”.

Enfim convencido por tantas opiniões abalizadas e considerando que os problemas de saúde – impostos como ações cármicas ao Rei – já haviam produzido seus efeitos perante as leis divinas, o homem Edson Arantes do Nascimento, o mito Pelé, recebeu hoje (29) passe livre espiritual e foi residir junto ao Pai. Levou consigo não apenas sua camisa 10, os títulos mundiais, continentais, nacionais, regionais e estaduais por clubes e Seleção Brasileira, mas o amor, a idolatria, a saudade e a gratidão de todos aqueles que, sob o prisma de uma bola de futebol, conseguiram ser mais felizes, puderam ler o mundo de outra maneira, viram milhares de vezes as redes balançarem, gritaram gol como se grita liberdade. Luto na Terra, alegria incontida no céu!

Talvez alguns questionem a partida do Rei. Era cedo, afirmam. Mas, Deus sempre sabe o que faz. Quem somos nós para contestar suas decisões? E, convenhamos, o timaço do céu se fortaleceu muito. Na luta do Bem contra o Mal, obteve um baita e fenomenal reforço. Coitado do time do capeta! Vai com Deus, meu Santo Rei, padroeiro da bola!

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