Por Heraldo Palmeira
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7 de novembro de 2024

Tramas da bola

Belozerovkids/Pixabay

Tramas da bola

  • Heraldo Palmeira

Mais uma semana de triunfos do futebol brasileiro no âmbito da América do Sul. Usar “excelência” como adjetivo seria exagero. A segunda parte das semifinais da Libertadores, os jogos de volta, selaram a hegemonia brasileira sobre os vizinhos do continente. Desta vez, os palcos foram Buenos Aires e Montevidéu.

Vimos que nossos representantes não brilharam como nos jogos de ida, detalhe que não fez falta diante de adversários insignificantes. O Atlético Mineiro amarrou um River Plate dos mais fracos de sua história e o empate de 0x0 levou os mineiros para a final. O Botafogo, mesmo perdendo por 3×1, empurrou o Peñarol ladeira abaixo para a irrelevância atual que carrega, plenamente demonstrada no torneio – apenas Tite conseguiu se complicar com ele. O grande feito do time de Montevidéu nesta temporada foi quebrar a inércia de sua sala de troféus importantes com uma enorme medalha da patacoada que levou adiante para tentar prejudicar o adversário.

Para desespero dos vizinhos do continente, sempre inflados pela fantasia de que são melhores em tudo e vivendo de glórias passadas há décadas, o tempo passou e o futebol brasileiro cresceu em todas as direções, chegando a um cenário muito distante do que eles vivem. Com isso, a hegemonia é consequência natural. Desde 2010, 17 times brasileiros estão registrados nas finais da Libertadores e ganharam 11 títulos. De 2019 para cá, todos os campeões são brasileiros – já contando o deste ano.

Como na bola e na grana eles já não têm a menor chance diante do futebol brasileiro, a turma além-fronteiras não está confortável com essa hegemonia. Sem contar a dificuldade de compreender que a velha grandeza de outrora anda cheia de mofo em velhos armários de troféus. Todos esses países estão repletos de times decadentes que em épocas de glórias sempre lançaram mão de táticas de antijogo, e agora criaram um perigoso clima “nós e eles” que se espalha para além das quatro linhas, com a óbvia e conhecida conivência da velha CONMEBOL – bastaria punir um desses times encrenqueiros com a exclusão do torneio para acionar um belo freio de arrumação na caravana toda.

Para tentar impedir mais uma final brasileira, eles praticaram todos os excessos que a mídia pacheca convencionou chamar de “garra”, mas que não passam de catimba e deslealdade ética de quem insiste em tentar ganhar no grito. Ainda mais nesta longa fase de bola murcha que amargam.

Em Buenos Aires, depois de todas as perturbações de torcedores adversários na madrugada diante do hotel, o Galo teve dificuldades de segurança para deixar o local na hora de seguir para o estádio e a diretoria ameaçou boicotar o jogo diante do curioso desinteresse da polícia local para reforçar a escolta da delegação.

No trajeto com esquema meia-boca de batedores, outro grupo da polícia parou o ônibus alegando que estava havendo briga entre grupos de torcedores do River Plate nas arquibancadas, algo que ninguém conseguiu comprovar – conforme registrado pela equipe da ESPN Brasil que estava cobrindo a disputa. Quando a delegação mineira finalmente chegou ao Más Monumental, cerca de 40 minutos depois do previsto, encontrou o vestiário com cheiro forte de tinta fresca – a administração (leia-se River, adversário e dono do estádio) informou que era resultado das obras para sediar a final, prevista para dali a 32 dias. Ou seja, uma vergonhosa série de artimanhas para tentar quebrar a tranquilidade pré-jogo do adversário.

Ao pisar o gramado, os dois times já estavam penalizados com multas por quebrar o protocolo da CONMEBOL: o Galo pelo atraso que não provocou no trajeto hotel-estádio e o River em razão do fumaceiro dos sinalizadores. Sem contar o absurdo de as equipes entrarem em campo no escuro, em razão da “festa da torcida” da casa com seus sinalizadores vermelhos e fumaça a granel. Ao final, toda sorte de coisas jogadas contra a delegação mineira que tentava comemorar com seus torcedores. E os xingamentos racistas de sempre, algo inacreditável ainda mais pela leniência das autoridades.

O perigo da pirotecnia naquele porte enorme e amador teve um desdobramento no dia seguinte: as autoridades argentinas resolveram fechar o estádio, supostamente em razão desse excesso. Como tudo estava preparado para uma grande festa do River Plate ganhando mais um título em casa, há quem acredite que essa medida pode ser (mais uma) artimanha para que a final não ocorra no Monumental. Talvez por dor de cotovelo, talvez porque não haverá brasileiros suficientes, menos ainda platinos interessados para ocupar os mais de 84 mil lugares. Assim, surgiram rumores de que a festa brasileira poderá ser transferida para o estádio do Independiente, para 42 mil pessoas.

Na noite seguinte, em Montevidéu, depois de ônibus da delegação e de torcedores serem apedrejados no trajeto para o estádio, um Botafogo irreconhecível pelo jogo ruim, mesmo perdendo por 3×1 terminou de empurrar o Peñarol ladeira abaixo. Foi o epílogo de um festival de indignidades uruguaias que começou com o vandalismo de seus torcedores no Rio, destruindo patrimônio alheio na beira da praia – até o presidente do Peñarol já reconheceu que tudo começou quando um carbonero roubou um celular de um carioca. Capítulo seguinte, criaram narrativas espalhadas pela mídia sul-americana tentando culpar o Botafogo e os cariocas pela reação policial que levou para a cadeia um bando de vândalos, agora denominados “reféns” pelo clube, que assumiu sua defesa.

Depois da ameaça de a partida ser levada para outro país ou realizado com portões fechados, o jogo foi transferido do estádio do Peñarol para o Centenário. Uma postura rara da CONMEBOL, que terminou penalizando de forma justa quem tentou tumultuar o tempo inteiro, desde o jogo do Rio: o Peñarol e as autoridades uruguaias, que insistiram em contar a piada sem graça de que não tinham condições de garantir a segurança da torcida adversária. O que tem causado espécie é que o Uruguai é um país adorável e extremamente civilizado, embora os ânimos sejam muito acirrados em seu futebol.

É bom ter em mente que a Copa do Mundo 2030 terá como sedes Argentina, Uruguai e Paraguai – além de Espanha, Portugal e Marrocos. Certamente não faltará segurança, civilidade e nem haverá coragem/catimba para contrariar as normas draconianas da FIFA.

Não é novidade que a CONMEBOL nunca teve grande identificação com o futebol brasileiro, inclusive pela força que a CBF ganhou na FIFA durante os reinados de João Havelange e Joseph Blatter. Portanto, dificilmente tomará qualquer medida capaz de coibir essas históricas presepadas que atentam contra o espírito de disputa limpa e apenas esportiva.

Basta lembrar tempos recentes, quando a decisão de 2018 entre Boca Juniors x River Plate foi transferida para Madri, já que as autoridades não conseguiram garantir a segurança dos times – o Boca não chegou ao estádio do River, pois seu ônibus foi atacado no caminho.

Continua soando insalubre que, no dia seguinte de uma semifinal da Libertadores, a crônica esportiva seja ocupada primordialmente para falar dessa explosão de violência extracampo. Pelo bem do futebol, chega de papagaiada, desse aspecto de várzea de quem vive arrotando grandeza e tem de cantar e aplaudir efusivamente times muito ruins saindo de campo fragorosamente derrotados.

Galo e Botafogo venceram no campo e no tapetão das manhas e artimanhas dos adversários, embora a pressão desleal deles gerou uma certa apatia nos jogos de volta. Mas as tramas da bola geraram o vareio de gols das partidas de ida, resolveram a questão e mantiveram tudo em seus devidos lugares. Fica a lição: juiz apitou, é partir para cima e, quanto mais, melhor. Sem dó nem piedade.

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