Divulgação/Universal/Apple
Tudo de novo ainda melhor
- Heraldo Palmeira
GIRAMUNDO OUVIU Novembro de 2023 foi um mês especialmente feliz para a beatlemania. Começou com o lançamento de Now And Then, a última música “nova” dos Beatles, que emocionou o mundo.
Dias depois os também lendários álbuns The Beatles 1962-1966 (The Red Album) e The Beatles 1967-1970 (The Blue Album) foram relançados. As duas coletâneas tiveram 21 canções acrescidas ao repertório original (12 no Álbum Vermelho e 9 no Álbum Azul). Agora são 75 músicas no total – inclusive Now And Then –, bom resumo da obra da banda.
As novas versões dos dois álbuns (links abaixo) chegam ao mercado com mais um “algo especial” tão comum na história do grupo: as duas coletâneas foram remixadas sob o comando de Giles Martin (filho do lendário produtor George Martin, que produziu as gravações originais, criou muitos arranjos definitivos e era, com justiça, considerado o 5º Beatle). Esse trabalho técnico utilizou o sistema Dolby Atmos, que transporta o ouvinte para uma audição imersiva. Sim, a viagem ficou ainda mais profunda do que sempre foi.
O mercado já oferece muitos equipamentos dotados dessa tecnologia. A opção utilizada pelo Giramundo foi um notebook e headphones de alto desempenho. Mas não vai rolar spoiler, cada ouvinte precisa viver sua própria experiência e descobrir detalhes que nem sempre estiveram tão claros nas gravações originais. O melhor de tudo é que esse conteúdo também pode ser ouvido em sistemas estéreos tradicionais com notável percepção de ganho no resultado sonoro em relação ao material original.
É claro que o Álbum Vermelho leva desvantagem porque suas gravações foram realizadas nos primeiros anos da década de 1960, quando a tecnologia disponível era muito rudimentar e os Beatles ainda estavam tateando, junto com George Martin, a sistemática de gravações multicanais. A música She Loves You ficou especialmente prejudicada em termos de sonoridade, pois a fita master da gravação original se perdeu e qualquer remixagem ou remasterização dela tem de ser feita em cima de uma cópia. Já Love Me Do, que passou pelo mesmo problema, teve melhor sorte no resultado. Também é visível que as músicas vão “melhorando” em razão direta do ano de gravação.
A vantagem do Álbum Azul é que suas músicas foram gravadas quando os Beatles já estavam vivendo sua fase madura, a partir do monumental Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) – uma evolução musical que foi sendo revelada a partir dos álbuns Rubber Soul (1965), que marcou o fim da fase romântica, explicitou as primeiras experiências com drogas e abiu as portas do psicodelismo, e Revolver (1966), que mostra a plenitude no uso dos recursos de estúdio e escancara as portas do experimentalismo.
Além disso, John, Paul, George e Ringo haviam se tornado compositores ainda mais inspirados e músicos muito melhores, navegando a léguas de distância da inocência do Iê-Iê-Iê. Sem contar que o sucesso estrondoso possibilitou que experimentassem à vontade durante as sessões em Abbey Road. A ponto de Martin ser autorizado pela EMI (dona do estúdio) a mexer na engenharia das instalações, comprando e interligando dois gravadores de 4 pistas para facilitar e ampliar ainda mais as gravações em camadas.
As novas versões das duas coletâneas ampliam a percepção da genialidade sonora dos Beatles, pois o tratamento com Dolby Atmos revela mais e mais sutilezas que ficaram escondidas pela limitação tecnológica da época. Outro ponto fundamental para a preservação e rejuvenescimento continuado da banda é o conhecido rigor dos administradores da obra, além do grupo de pessoas que destina dedicação filosófica ao legado, caso do produtor, arranjador e engenheiro de som Giles Martin. Afinal, essa tecnologia, como ele mesmo diz, “está em sua infância e é incrivelmente difícil de acertar”. Em mãos erradas, o resultado poderia ser contaminado por excessos.
Muitos puristas torcem o nariz para qualquer atualização sonora dos Beatles, mas pouco importa o que pensam. Além das versões com som atualizado tecnologicamente, continuam (e seguirão) em catálogo as versões mono e estéreo originais de todos os álbuns. Ou seja, a diversão está garantida para qualquer gosto ou rabugice.
Cada atualização também serve para comprovar o grau de inovação da obra. Registrada na década de 1960, embarca em qualquer novidade tecnológica como se o grupo fosse dotado de uma capacidade de enxergar o futuro com décadas de antecedência.
No caminho para a eternidade os álbuns vêm sendo sistematicamente atualizados. Giles Martin tem trabalhado desde 2015 com tecnologia de ponta e já remixou e remasterizou Revolver, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, The Beatles (The White Album), Abbey Road, Let It Be, a coletânea The Beatles 1 e, agora, saindo do forno, The Beatles 1962-1966 (The Red Album) e The Beatles 1967-1970 (The Blue Album).
Para compreender a extensão desse passo tecnológico na obra dos Beatles é preciso lembrar que apenas o álbum Abbey Road – último a ser produzido, penúltimo a ser lançado (antes de Let It Be) – foi gravado em estéreo. Todos os demais tiveram gravações mono.
Embora muita gente ainda não esteja seduzida por essa tecnologia – novo e rejeição vivem amor antigo –, algo parece garantir que os Beatles se sentiriam “em casa” gravando sob a perspectiva do Dolby Atmos. Seria a cara de uns caras que sempre estiveram anos-luz à frente do próprio tempo e por isso cabem em qualquer novidade.
Paradas de sucesso O single Now And Then trouxe mais uma marca de praxe na história dos quatro rapazes de Liverpool: o topo das paradas de sucesso. Lá se iam 60 anos depois de terem chegado ao Top 1 da parada britânica pela primeira vez com o single From Me To You (1963). Agora a banda coleciona 18 singles em primeiro lugar no reino de sua majestade.
Os Beatles também dominam as paradas fora do Reino Unido. Nos 65 anos de existência da prestigiada lista semanal norte-americana Billboard Hot 100 (publicada pela primeira vez em 4 de agosto de 1958), eles lideram o ranking com 20 primeiros lugares, desde que ultrapassaram Elvis Presley em 1965 com Help!.
Se o assunto é vendagem – álbuns físicos, digitais e singles – a banda lidera o ranking mundial com mais de 1,6 bilhão de cópias vendidas. Em seguida, vêm Elvis Presley (mais de 1,5 bilhão), Michael Jackson (1,5 bilhão) e Bing Crosby (1,3 bilhão).
História O Álbum Vermelho e o Álbum Azul foram lançados em 1973 e suas capas partiram do projeto gráfico de Please Please Me (1963), o primeiro disco de estúdio dos Beatles, utilizando uma foto do grupo na sacada interna do prédio da gravadora EMI.
Para o Álbum Azul foi utilizada uma nova pose imitando a foto original, feita por ideia de John Lennon para o que seria a capa do disco Get Back – que chegou ao mercado rebatizado Let It Be, com outra capa e, talvez como mensagem cifrada sobre o fim, os quatro apareciam separados em fotografias individuais.
É inegável que muitas gerações conheceram a banda e se tornaram fãs ouvindo essas duas coletâneas, lançadas três anos depois do fim dos Beatles e talvez carregando um sopro de esperança de um retorno que nunca aconteceu.
A atualização sonora dos dois álbuns foi realizada no Abbey Road Studios – espécie de submarca dos Beatles –, sob o comando de Giles Martin, com participação do engenheiro de som Sam Okell. Além de Dolby Atmos, eles utilizaram a tecnologia de desmixagem/mixagem de áudio da WingNut Films, produtora do cineasta neozelandês Peter Jackson, diretor do premiado documentário The Beatles: Get Back (2021) e do videoclipe do single Now And Then (2023). Os encartes trazem ensaios do jornalista John Harris.
Tecnologia de cinema A tradição do cinema inovar com experiências sensoriais é antiga. Tudo começou em 6 de outubro de 1927, quando foi lançado o primeiro filme sonorizado da história, The Jazz Singer (O Cantor de Jazz), maravilhando plateias e decretando o fim da gloriosa era do cinema mudo.
Em 1940 a Disney entendeu que precisava incrementar a carreira do camundongo Mickey. O visionário Walt Disney criou o filme Fantasia unindo animação e música clássica. Para melhorar a percepção do som da orquestra envolvida no projeto, juntou seus engenheiros aos da RCA e foi criado o sistema de som estereofônico multicanal, que ficou conhecido como Fantasound. A partir dali passou a ser utilizado nas produções cinematográficas e foi instalado em diversas salas dos EUA com enorme sucesso.
A empresa inglesa Dolby Laboratories lançou o sistema Surround para cinema e home theater em 1982, passo adiante dos sistemas sonoros estéreo e HiFi que dominavam as salas de exibição e o uso doméstico pelos formatos de vídeo Betamax e VHS. A novidade chegou em Surround 5.1 (6 canais) e avançou até o consagrado Surround 7.1, que oferecia oito canais independentes de áudio. A tecnologia Dolby Atmos desembarcou em 2012 com possibilidade de até 128 canais.
Presente nas produções e salas de cinema desde o lançamento, imprime alto grau de realismo nas diversas camadas de som, criando um ambiente de sons espaciais/atmosféricos – vem daí o nome Atmos. A “mágica” é ampliar o princípio da circulação do som no eixo horizontal do sistema Surround 7.1 com o acréscimo (da circulação do som) no eixo vertical.
O resultado oferecido pelo sistema Dolby Atmos é uma percepção tridimensional dos sons porque eles vêm de todos os lados, inclusive os silêncios. Os designers de som tentam repetir (em filmes e músicas) exatamente o que aconteceria com a audição humana na vida real diante daquela cena ou som.
Sob efeito da tecnologia o áudio oferece imersão e realismo impressionantes, como se transportasse o espectador para dentro de uma redoma. Assistindo a um filme ele fica com a sensação de estar no centro da cena e que tudo acontece ao seu redor. Na audição de uma música é como se estivesse na parte central do palco cercado pelos músicos.
Novo padrão O Dolby Atmos vai virando padrão no cinema e não deverá ser diferente na indústria da música. Muitos artistas importantes já estão criando e produzindo suas canções dentro da perspectiva dessa tecnologia. Diversos estúdios do grupo Universal – incluídos os lendários Capitol (Hollywood) e Abbey Road (Londres) – oferecem o sistema.
Na outra ponta, vários dispositivos estão ao alcance do consumidor para propiciar uma excelente experiência audiovisual com a nova tecnologia – televisores, soundbars, receivers AV, caixas de som, headphones, computadores, tabletes, smartphones e até leitores de discos Blu-ray. Sem contar que muitos serviços de streaming criaram suas seções específicas. São múltiplas possibilidades em perfeita sintonia com cada bolso. E quem estiver nos EUA pode viver uma ótima experiência ao vivo no Dolby Live, um anfiteatro no hotel Park MGM, em Paradise, subúrbio de Las Vegas.
Ouça aqui
Álbum Vermelho https://open.spotify.com/intl-pt/album/39Ti6Be9Ak2d6YbxlQo0Ba?si=bK5f9AS3T422W-iGtz3D_g
Álbum Azul https://open.spotify.com/intl-pt/album/2AlPRfYeskAMxhJS00xjeP?si=EblhXIdKRkSqcoYzpkaAMA