Por Heraldo Palmeira
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18 de maio de 2024

Uma nova fronteira?

Gerd Altmann/Pixabay

Uma nova fronteira?

  • Heraldo Palmeira

Há firmes indícios de que viveremos em breve uma nova revolução tecnológica que, obtendo sucesso, vai gerar outra mudança no padrão de comportamento da humanidade, a exemplo do que vivemos com a chegada dos smartphones: ficaram tão indispensáveis que ninguém mais vive sem um.

É certo que qualquer nova tecnologia relacionada ao uso e a conexões pessoais corre o risco de ser considerada invasiva demais e causar incômodos diversos na convivência social. Algo que aconteceu com o Google Glass, os óculos que, baseados em realidade aumentada, prometiam interação do usuário com diversos conteúdos e utilizavam comandos de voz para enviar mensagens, realizar videoconferências, gravar imagens e sons e fazer fotos. O produto terminou descontinuado porque não era prático e tinha pouca utilidade, ia pouco além de mais um trambolho eletrônico caro – o preço médio era de US$ 1,5 mil (R$ 7,3 mil).

A aposta do momento é a possibilidade de a inteligência artificial nos permitir interação com o mundo digital sem o uso de telas. Esse conjunto de inovações começará a jornada se instalando em nossos dispositivos para gravar, controlar e recuperar tudo – pesquisas na internet, conversas nas plataformas de reuniões, mensagens de redes sociais, e-mails, fotos, áudios, vídeos, administração de agenda, ata de reuniões, lembretes de compromissos assumidos anteriormente, recuperação de conversas e reuniões, projeções em qualquer superfície…

A proposta dessa nova revolução é produzir assistentes pessoais eficientes que assumam todas as principais tarefas do cotidiano e armazenem tudo que é importante sem ocupar nossa memória natural. A ideia é que aprendam tanto sobre nós que passem a responder nossas perguntas, algo como um ChatGPT pessoal – o que será de nós se esse negócio ganhar ares fofoqueiros?

Algumas experiências já estão em curso avançado e, assim como o celular virou quase uma extensão do nosso corpo, deveremos entrar na era dos pingentes. A nova fronteira que promete dispensar as telas está sendo desenhada por gente influente da área de tecnologia: empresas como Rewind, Humane e OpenAI (criadora do ChatGPT), além de profissionais com passagens importantes pela Apple e que trabalharam no desenvolvimento de produtos revolucionários como iMac, iPod, iPhone e iPad. A OpenAI está presente em todas as principais iniciativas em busca desse mundo digital sem telas e grandes investidores começam a mostrar a carteira.

As primeiras novidades já andam desfilando por aí. A modelo Naomi Campbell circulou na última Paris Fashion Week (outubro) com um AI Pin da Humane, em formato de broche – bem mais caro que o pingente –, pendurado na lapela do casaco. Não se tem notícia do resultado da experiência, mas serviu para chamar a atenção. É o primeiro passo de consumo e a indústria espera que o fenômeno do smartphone se repita, para mudar novamente o padrão de conectividade da humanidade.

Nós nisso Parece óbvia a curiosidade sobre os efeitos desse pacote tecnológico sobre a saúde dos usuários, com especial atenção ao envelhecimento cerebral, inclusive em termos de precocidade. Se hoje estamos curvados fisicamente, deformando dedos, mãos e articulações, convivendo com sequelas, sentindo dores crônicas, sofrendo limitações e enfrentando diversos problemas na estrutura corporal em razão da péssima postura e dos movimentos repetitivos, a nova fase poderá atenuar alguns desses distúrbios se realmente nos livrar da digitação e de horas sentados ou deitados diante de dispositivos.

Além disso, esse novíssimo conjunto de ferramentas propõe diminuir nossas atividades neurais, especialmente o uso da memória para administrar as tarefas do cotidiano, um estímulo para o sedentarismo e para tornar a cognição ainda mais preguiçosa do que já anda. Tomara a novidade não esteja no lado oposto das recomendações da medicina para que exercitemos cérebro e corpo como forma de retardar a senilidade e aumentar a qualidade de vida.

Claro que não é saudável a sociedade recusar os avanços da modernidade. Mas também é óbvio que o exagero no uso de tecnologias pessoais trouxe uma mudança radical – para pior – no comportamento e nas relações sociais, a ponto de provocar ou potencializar adoecimentos diversos, inclusive com quadros alarmantes no ambiente da saúde mental. Com a palavra, o grande mediador de todas as questões: o usuário. Nós.

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