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- Heraldo Palmeira
Desde tempos imemoriais o homem descobriu o prazer de viajar. E fez isso para colonizar o mundo a pé, montado em animais que aprendeu a domesticar, navegando em embarcações rústicas, flutuando nos ares em geringonças voadoras e, mais recentemente, atirado ao espaço em naves espaciais.
A grande maioria das pessoas adora aquele momento em que faz as malas e mete o pé fora de casa em busca dos destinos que sonhou e pagou caro para usufruir. Sem se dar conta, quem viaja engorda um dos maiores negócios existentes, cujo crescimento é mais rápido do que o do PIB global. A cada ano, o segmento do turismo contribui com mais de US$ 8 trilhões (cerca de R$ 43 trilhões) para a economia mundial.
Todo esse oceano de negócios tem um outro lado que começa a dar sinais de desconforto. Governos e populações de destinos muito procurados por turistas começam a discutir vantagens e desvantagens desse fluxo constante. O viajante não percebe, mas é preciso ter uma dose elevada de paciência para aturar tanta gente estranha todos os dias do ano, quase sempre descaracterizando sua cidade e piorando a planilha de custos de quem vive ali.
“O turismo mata a cidade”, dizia um cartaz pregado há algum tempo em postes de Barcelona, Espanha. Claro que não se percebe (ainda) um movimento de rejeição aos visitantes, mas é preciso entender que a maioria dessas cidades recebe uma quantidade descomunal de gente que está apenas de passagem. Tentar causar o mínimo de incômodo para a vida dos locais é um bom princípio civilizatório que tende a facilitar a convivência compulsória. O caso de Barcelona é exemplar: com pouco mais de 1,6 milhão de habitantes, recebe mais de 30 milhões de turistas a cada ano.
Moradores de outras cidades turísticas como Amsterdã, Lisboa, Nova York, Paris, Praga, Roma, São Francisco, Toronto, Veneza… demonstram inquietações semelhantes. Os serviços de aluguel de curto prazo – onde reina o AirBNB –, com tarifas bem mais em conta do que a rede hoteleira, são apontados como uma das principais causas da massificação ao baratear muito a hospedagem.
Veneza, hoje reconhecida como uma cidade cheia de problemas graves resultantes do turismo desenfreado, já anunciou novas regras aos visitantes, que entrarão em vigor a partir de agosto. A coisa ficou tão séria que os moradores de Amsterdã, outro destino muito procurado, passaram a tratar sua própria cidade pelo apelido de “Veneza” – o conjunto de canais deve ter ajudado na escolha. Afinal, seu 1 milhão de moradores recebem mais de 18 milhões de turistas por ano. Por isso, o governo holandês estuda a proibição de atracação de navios de cruzeiro, copiando a nova regra já anunciada oficialmente pelos italianos.
Outra providência começa a ser adotada mais e mais em diversos países: direcionar os visitantes para outras cidades, como forma de ampliar o negócio do turismo, criar novos polos de interesse e diminuir a pressão sobre os destinos consagrados.
O problema já merece olhares preocupados de profissionais do setor, hoje ocupados em desenvolver metodologias de avaliação dos desafios que locais de grande fluxo terão de administrar nos próximos anos e planejar o futuro. É o caso do índice Destination 2030, desenvolvido para medir o preparo do setor a partir do crescimento da demanda e da capacidade das cidades de administrá-la. Ele considera 75 indicadores como concentração de visitantes, infraestrutura urbana e políticas locais de 50 cidades turísticas do mundo. Foi desenvolvido em parceria pelo WTTC-Word Travel & Tourism Council (Conselho Mundial de Viagens e Turismo) e a JLL-Jones Lang LaSalle, companhia com sede em Chicago (EUA) que atua no mercado imobiliário corporativo global.
Em qualquer cenário futuro, cada vez mais será importante que o turista pratique boas regras de urbanidade em seus deslocamentos. É preciso aprender a perceber o que nossa viagem pode causar na vida dos moradores dos nossos destinos. Nada melhor do que deixar boas lembranças que possam combinar com as que pretendemos trazer na bagagem ao voltar para casa.
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