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Volta ao escritório
- Heraldo Palmeira
Com a explosão da pandemia, as empresas encontraram uma saída óbvia para a manutenção das atividades: o uso intenso da tecnologia e grandes adequações nas rotinas operacionais como meio de seus empregados desempenharem as funções esperadas.
O trabalho remoto, algo até ali acessório no mundo corporativo, ganhou o centro do palco na nova ordem mundial que começou a surgir. De repente, qualidade de vida entrou na lista de itens de grande importância na oferta de vantagens dos empregadores nas negociações trabalhistas. Num ambiente desconhecido e dominado pelo medo, deixar o empregado seguro e confortável em casa, ao lado da família, era algo com grande poder de sedução.
Agora, muitas das empresas que adotaram de forma pioneira o trabalho remoto, começam a pressionar seus empregados para retomarem o modelo presencial, mas enfrentam a resistência do que se passou a chamar “laptop class” – um número cada vez maior de pessoas com condições, inclusive financeiras, de trabalhar e estudar em qualquer lugar do mundo utilizando dispositivos digitais.
É um desafio que está se mostrando difícil de contornar, até porque pelo menos 25 países criaram condições tecnológicas e legais para receber os nômades digitais. Ao mesmo tempo que incrementam suas economias combalidas e combatem o êxodo populacional, oferecem aos novos moradores infraestrutura tecnológica de primeira linha e condições de vida encantadoras. Por isso, grande número de pequenas vilas europeias anda festejando esse modelo, que permite aos novos moradores vivenciar novas experiências culturais e viver temporadas em lugares fascinantes. O resultado é claro: hoje, 35 milhões de pessoas se identificam como nômades digitais e a estimativa aponta que serão 1 bilhão até 2035.
Esse mar de tranquilidade começa a sofrer ataques de vozes poderosas, apontando que essas pessoas desejam viver num mundo de fantasia. “Você trabalha de casa, mas as pessoas que fabricam seu carro e preparam sua comida não podem. Isso é moralmente correto? É um problema moral. As pessoas deveriam descer do pedestal moral com essa bobagem de trabalhar em casa”, afirmou Elon Musk em recente entrevista. O dono da Tesla e do Twitter considera que a produtividade é maior no trabalho presencial e assumiu uma cruzada pública contra a laptop class.
No mesmo tom, os investidores passaram a culpar o trabalho remoto pela queda de produtividade registrada nas empresas. Gigantes como Amazon, Apple, Barclays, BlackRock, Google, JP Morgan, Tesla e Twitter começam a exigir o retorno dos empregados aos escritórios, mesmo que incialmente numa jornada menor, mantendo um modelo híbrido de trabalho.
É claro que há outros interesses gigantescos por trás desses discursos. Todas as grandes cidades do mundo enfrentam problemas econômicos resultantes da ausência de pessoas nos escritórios. O caso de Nova York é o mais reluzente: com a semana de trabalho presencial reduzido a 3 dias (terça a quinta), os trabalhadores deixam de gastar US$ 12,4 bilhões (R$ 62,2 bilhões) por ano em restaurantes, bares e comércio. De cara, a arrecadação municipal cai e traz dificuldades para manutenção do transporte público e limpeza urbana.
Tudo isso coincide com um novo cenário de crise, que gerou dois fenômenos: demissões voluntárias de pessoas que passaram a colocar qualidade de vida na lista de prioridades profissionais e uma onda de lay-offs (suspensão temporária dos contratos de trabalho que costuma acontecer em momentos de crise), em razão da situação econômica com alta de inflação e pressão de juros.
Em 2022, o setor de tecnologia surpreendeu o mundo demitindo mais de 150 mil profissionais, situação que ainda pode se manter por um tempo já que as grandes empresas ainda não encerraram seus processos de ajustes.
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