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Zebra no Paulistão
- Sylvio Maestrelli
Quem não acompanha de perto o futebol paulista desconhece que é o campeonato estadual mais forte do país. Muito organizado, com equipes interioranas de ótimo nível técnico para os padrões nacionais, não por acaso é o maior detentor de títulos no país. Recordista em Brasileirões – incluindo Taça Brasil e Robertões – 33 conquistas contra 18 dos cariocas, 6 dos mineiros e 5 dos gaúchos –, Copa do Brasil (10 conquistas, contra 8 dos mineiros, 7 dos gaúchos e 6 dos cariocas) e, no outrora tira-teima nacional, o Rio-São Paulo (18×10 contra os cariocas).
Os times paulistas ainda são, entre os brasileiros, aqueles que mais detêm taças internacionais, como Copas Intercontinentais/Mundiais de Clubes (7 contra 2 dos gaúchos e 1 dos cariocas) e Libertadores (10 contra 5 dos gaúchos, 4 dos cariocas e 3 dos mineiros). E São Paulo conta com quatro divisões: são 16 times na série A1 (a principal, onde estão os grandes e equipes menores como Bragantino, Guarani, Botafogo de Ribeirão Preto etc.); 16 na A2 (de acesso, que conta com times de tradição como Ponte Preta, Novorizontino, XV de Piracicaba, Juventus, Noroeste, Oeste etc.); 16 na A3, entre as quais o São José, Marília e outros; e 36 na série B, que é Sub-23, onde jogam hoje equipes outrora tradicionais, como o América de São José do Rio Preto, Paulista de Jundiaí, Mogi Mirim etc.
Historicamente, além dos tradicionais grandes (Santos, Corinthians, Palmeiras e São Paulo) e dos chamados pelos paulistas como “quase grandes” (Guarani, Ponte Preta e a decadente Portuguesa de Desportos), sempre se destacam algumas equipes interioranas muito bem montadas e com apoio irrestrito dos fanáticos torcedores locais. Exemplos claros são os merecidos títulos estaduais da Internacional de Limeira (1986), Bragantino (1990), São Caetano (2004) e Ituano (2014). Lembrando ainda que o único clube do interior do país a ganhar um Brasileirão foi o timaço do Guarani, de 1978, e que o Santo André e o decadente Paulista de Jundiaí – hoje na série B do Paulista – já venceram a Copa do Brasil, respectivamente em 2004 e 2005, batendo os gigantes cariocas Flamengo e Fluminense.
Por isso tudo, é realmente assombrosa a campanha, neste Estadual de 2023, do pequeno Água Santa, da cidade de Diadema (parte da Grande São Paulo), que chegou à finalíssima do Paulistão desta temporada e enfrentará, na condição de azarão, o favoritíssimo Palmeiras, que possui hoje um dos melhores elencos do país. Uma façanha considerável, independentemente do que venha acontecer na partida final – uma goleada do Verdão não é descartada. Afinal, inexistia expectativa sobre a campanha do “Netuno” como é carinhosamente chamado o time por seus torcedores (os “aquáticos”), já que o time sequer está classificado para qualquer torneio de nível nacional este ano, e será desmanchado após a competição. Para tristeza de Diadema.
Aliás, Diadema, para quem não conhece, é uma cidade eminentemente industrial, situada na região metropolitana da capital paulista, e o “D” do famoso ABCD (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema). E o nome do time – Esporte Clube Água Santa – não se deve a qualquer ligação com batismos ou religião, mas homenageia o nome da rua onde foi fundado, em 1981, ainda como um time de várzea, por migrantes pobres vindos do Norte, Nordeste e Norte de Minas que curtiam disputar uma pelada nos fins de semana. No entanto, seu sucesso no amadorismo foi tão grande que em 2013 foi decidida sua profissionalização. Começou na Segunda Divisão e subiu para a A3 no mesmo ano. Em 2014, subiu da A3 para a A2 e, em 2015, chegou à A1, a elite estadual. Rebaixado em 2018, voltou à A1 em 2020.
Agora, sob a batuta do jovem e ótimo treinador Thiago Carpini – bastante conhecido no interior paulista por formar boas equipes com jogadores experientes, de muita pegada e vigor físico –, chega à disputa do título, após se classificar em sua chave e derrotar sucessivamente São Paulo (quartas de final) e Red Bull Bragantino (semifinal), ambos nas cobranças de pênaltis. E seus torcedores, eufóricos, já preveem uma vitória histórica contra os alviverdes em pleno Allianz Parque! Afinal, vários deles levam garrafas com água “santa” (benzida antes dos jogos) e atiram essa água no gramado, em um ritual que – segundo os mais supersticiosos – vem dando resultados, pois seus jogadores ficam “protegidos”.
O time – bem como a cidade – nutre rivalidades com as outras equipes do ABCD paulista. E os “aquáticos” estão animados. Consideram que já estão acima do ótimo São Bernardo – que na fase de grupos do Paulistão deste ano fez até mais pontos que eles, mas caiu nas quartas de final. Agora, dizem, a meta é se igualar ao Santo André – que já venceu uma Copa do Brasil ou ao São Caetano – hoje decadente e rebaixado para a A3, que chegou a ser campeão paulista e vice-campeão do Brasileirão e da Libertadores. E o ponto de partida, afirmam, é a conquista do Paulistão 2023.
Enquanto isso, cabisbaixos, os torcedores rivais, em função da ascensão meteórica do Água Santa, espalham maledicentes boatos de que o time só cresceu e se estruturou nestes últimos anos por conta de investimentos e investidores “heterodoxos” e sem nenhuma tradição no mundo do futebol.
Boatos e fofocas de torcedores à parte, aguardemos o desfecho do Paulistão mais inusitado destes últimos anos. Onde Santos e Guarani sequer ficaram entre os oito primeiros. Onde o São Paulo caiu nas quartas para o pequeno Água Santa. Onde o Ituano eliminou o Corinthians em plena Neo Química Arena (o popular Itaquerão), também nas quartas. Onde o Palmeiras, antecipadamente o grande favorito, penou para derrubar o excelente São Bernardo. E onde o campeão moral, sem dúvida alguma, é o Netuno de Diadema, que teve de jogar a semifinal na Vila Belmiro, na condição de mandante, simplesmente porque seu estádio não tem sistema de refletores para iluminação artificial. Haja coração!
*Sylvio Maestrelli, educador e apaixonado por futebol