Por Heraldo Palmeira
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22 de novembro de 2024

Reabrindo os escritórios

PublicDomainPictures/Pixabay

Reabrindo os escritórios

  • Heraldo Palmeira

A indústria da tecnologia anuncia que a humanidade está prestes a vivenciar uma nova era, que deverá ser guiada por computação quântica, inteligência artificial (IA) e dispositivos sem tela (veja links abaixo), estimulando nossa imaginação a respeito do que virá e de como será a vida.

Enquanto vivemos num limiar tecnológico jamais imaginado e difícil de decifrar para a maioria das pessoas, também parece inadiável pensar nas relações humanas nesse ambiente onde a automação é saudada como virtude principal. E no ambiente corporativo a discussão exige profundidade similar. Afinal, o empregado substituído pela automação é o mesmo que perderá renda, poder de compra e não poderá fazer girar a economia operada pelos robôs que eliminaram os empregos.

Na iminência de mais uma revolução que pode mudar o comportamento da sociedade, nos deparamos com um momento de estresse na relação capital-trabalho em razão do formato de trabalho. Empresas e empregados discutem retorno aos escritórios versus trabalho remoto.

Pesquisa realizada pela IBM em países de língua inglesa em 2014 apontava que apenas 9% das atividades empresariais eram realizadas por meio de trabalho remoto. Em 2019 o IBGE concluiu que somente 5,2% dos brasileiros empregados faziam home office.

As limitações impostas pela pandemia da Covid-19 foram úteis e instrumentalizadas a favor dessa visão de mundo que, no mesmo modelo implementado pela Terceira Revolução Industrial, reserva ao ser humano uma posição de segunda classe diante das máquinas inteligentes e dos sistemas capazes de fazer tudo, ignorando o custo da falta de convívio humano nas relações de trabalho – que termina cobrado cedo ou tarde até porque soa muito pretensioso subestimar a inteligência do homem e reduzi-lo a mero operador de máquinas denominadas inteligentes.

Assim, o home office virou modelo de trabalho predominante e o conceito chegou a ser ampliado para anywhere office (escritório em qualquer lugar), apresentando ao mundo um novo tipo de profissional, o nômade digital, aquele que trabalha de qualquer ponto do planeta, aproveita a vida conhecendo lugares e morando neles durante curtos períodos.

A ideia de que o home office era sinônimo de alto desempenho profissional e eficiência corporativa caiu por terra. O mesmo formato de trabalho remoto que fazia a alegria dos departamentos financeiros pela enorme redução de custos passou a gerar rugas de preocupação. Muita gente já está refazendo contas e anotando dois itens em vermelho na engenharia administrativa das empresas: baixa produtividade – queda aguda chegando a impressionantes 20% – e perda da cultura organizacional. Essas são duas das razões alegadas pela Alphabet (controladora do Google) e Meta (controladora do Facebook, WhatsApp, Instagram e Threads) para retomar o modelo presencial.

Do outro lado da questão estão os empregados que durante a pandemia descobriram um novo modelo de vida em que a empresa passou a ter uma presença secundária, já que foram incentivados a trabalhar a distância. Com isso, decidiram morar em lugares sossegados longe do estresse urbano, melhoraram o convívio com a família e ficaram livres dos longos trajetos até o escritório que consumiam tempo e dinheiro. Agora, alegam que o retorno ao ambiente corporativo afetaria sua produtividade, saúde mental e equilíbrio entre os interesses pessoais e profissionais..

Outros atores importantes dessa queda de braço trabalhista são os governos, amplamente interessados no retorno da atividade nos escritórios para revitalizar a economia instalada ao redor das sedes das empresas – lojas, restaurantes, lanchonetes, padarias –, que perdeu fôlego desde a explosão do trabalho remoto.

O jogo parece estar virando porque empresas que criaram regimes muito flexíveis na pandemia estão se reposicionando para o formato presencial e já não oferecem vagas 100% remotas. Depois da onda de demissões registrada no início de 2023 vai se formando um cenário que deverá fechar o ciclo de regalias criado na pandemia, quando era necessário oferecer o máximo de benefícios para atrair talentos porque sobravam vagas e faltavam interessados.

Outro detalhe merece atenção: o regime híbrido, que carregava “o melhor dos dois mundos” para manter os escritórios funcionando, embora continue utilizado também deverá passar por mudanças na próxima rodada de ajustes administrativos.

A inesperada onda de retorno ao trabalho presencial deverá se espalhar porque grandes multinacionais norte-americanas sempre ditam tendências no ambiente corporativo internacional. Depois de analisar os resultados, gigantes como AT&T, Disney, Starbucks, BlackRock, Goldman Sachs, JP Morgan, Salesforce e Farmers Insurance são algumas das muitas empresas empenhadas em restaurar o velho modelo.

Não deve ser à toa que Elon Musk, um dos reis do mundo digital, anda tiririca com o home office e chegou a perder a linha com seus empregados que insistem em se manter trabalhando em casa. Segundo ele, essas pessoas estão “desconectadas da realidade” e o trabalho remoto é “moralmente errado” porque “alguns se beneficiariam daqueles que não podem trabalhar em casa”. E o bilionário da tecnologia não está sozinho.

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, passou a exigir pelo menos três dias por semana de trabalho presencial para seus funcionários. A Apple começou a controlar a presença dos empregados no escritório. A Amazon também vem pressionando pelo fim home office e chegou a enfrentar até uma greve dos seus contratados em protesto pela medida.

A Alphabet também tem exigido o retorno aos escritórios, a ponto de informar aos empregados que o não comparecimento poderá ser item incluído na avaliação de desempenho profissional. “É claro, nem todo mundo acredita em ‘conversas mágicas no corredor’, mas não há dúvida de que trabalhar juntos na mesma sala faz uma diferença positiva”, afirmou a diretora de RH da empresa Fiona Cicconi.

Desde outubro de 2022 o TikTok estabeleceu uma rigorosa política de retorno ao trabalho presencial e algumas das equipes têm de ir ao escritório todos os dias. A situação chegou a tal ponto que a empresa ameaçou demitir qualquer funcionário cujo endereço residencial não estivesse numa distância do escritório que permitisse os deslocamentos diários. Para não deixar dúvidas, anunciou a criação do MyRTO-My Return To Office (meu retorno ao escritório), um software interno já em operação que rastreia a localização do empregado e comprova se as regras de trabalho presencial estão sendo cumpridas.

A Zoom, gigante das reuniões virtuais que se tornou uma espécie de escritório do mundo durante a pandemia, anunciou a decisão de retomar o modelo presencial durante recente reunião geral da empresa. Nas palavras do CEO Eric Yuan, “não se constrói confiança on-line”. A companhia já não quer manter seus próprios empregados em home office. “Não podemos ter uma boa conversa. Não podemos debater bem uns com os outros porque todos tendem a ser muito amigáveis quando você entra em uma chamada do Zoom”, completou Yuan.

A pandemia se foi e a vidinha mundana começou a voltar ao normal. Os canais digitais que resolviam tudo começaram a ficar repetitivos, chatos. Num sentido nem tanto figurado, é como se todo mundo tivesse resolvido questionar o costume recente de pedir refeições por aplicativos – e aturar sabores quase nunca especiais –, ao invés de voltar a encontrar os amigos ao redor de uma boa mesa.

Conexão A revista Imaging

Neuroscience (publicação do Massachusetts Institute of Technology-MIT) divulgou estudo da Universidade de Yale (EUA), que analisou como o cérebro reage diante das dificuldades comuns às transmissões via plataformas digitais – demora na conexão, corte nas conversas, fundos artificiais. O resultado mostrou que é comum a sensação de estranhamento nos participantes.

O trabalho foi realizado em reuniões remotas e presenciais, onde as mesmas pessoas conversaram sobre os mesmos temas nas duas modalidades de encontro. Enquanto isso, os cientistas mediram oxigenação e atividade cerebral e concluíram que os voluntários ficam menos sincronizados nas sessões virtuais. No formato presencial houve mais atividades de processamento facial e maior dilatação de pupilas, sugerindo melhor leitura social e conexão entre os participantes. “O Zoom parece ser um sistema de comunicação social empobrecido em relação às condições pessoais”, apontou o estudo.

Teletrabalho Essa expressão surgiu em 1976 no ambiente da NASA, cunhada pelo cientista Jack Nilles. Ainda não havia internet e o ponto mais avançado em termos de redes de telecomunicação era o sistema de telefonia fixa. Mesmo assim, o ritmo tecnológico permitia lançar um olhar de ousadia e fazer previsões sobre o futuro. Por isso, bastaram três anos para que a IBM, pioneira norte-americana da computação, montasse uma equipe de cinco pessoas para trabalhar a distância. O experimento piloto cresceu a tal ponto que em 1983 já eram 2 mil funcionários envolvidos.

A década de 1990 trouxe a popularização da internet e dos computadores pessoais, ferramentas capazes de criar a perspectiva real de trabalhar longe das empresas. A ideia ganhou tal força que até o pai da administração moderna Peter Drucker ficou convencido de que os escritórios perderiam a utilidade. “Agora é infinitamente mais fácil, barato e rápido fazer o que o século 19 não conseguiu: levar a informação – e, com ela, o trabalho de escritório – para onde as pessoas estão. As ferramentas para isso já existem”, escreveu em 1993.

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